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“Querida Tia” emociona com reviravoltas familiares mas peca pelo excesso de enredos

Novo livro de Valérie Perrin chegou ao Brasil em junho

“Querida Tia”, novo romance de Válerie Perrin, autora de “Três” e “Água fresca para as flores”, obras muito aclamadas por seus leitores, foi publicado no Brasil em junho de 2025 pela editora Intrínseca. A história começa quando a protagonista, Agnés, recebe uma ligação da polícia e descobre que sua tia, Colette, morreu. O problema é que Colette já estava morta a três anos e essa nova morte, que inicialmente não faz o menor sentido, vai mudar a vida da sobrinha para sempre.

Para entender o que estava acontecendo, Agnés precisa se deslocar até o local onde a tia foi encontrada morta, uma pequena cidade no interior da Borgonha. Ao longo da narrativa a história busca solucionar o mistério da segunda morte de Colette, que deixou várias fitas cassete gravadas para a sobrinha. Nas páginas, a mulher que, aos olhos da sobrinha, não possuía nem uma história própria, revela memórias recheadas de alegrias e tristezas que foram vividas com muita intensidade. 

Válerie Perrin acerta nas descrições dos lugares em que a história se passa, transportando o leitor diretamente para as cenas narradas. Como o desenvolvimento acontece ao longo de diferentes anos, contando com contextualizações importantes de momentos do passado das personagens, a precisão das palavras e a riqueza de detalhes ajuda que o leitor se mantenha envolvido com a história. 

A ideia central do livro é ótima. O enredo principal, que trata do mistério da segunda morte da tia e das descobertas que Agnés tem quando escuta as fitas cassete, consegue surpreender, mesmo sendo uma estrutura bastante utilizada por outros livros, filmes e séries. Os segredos revelados por Colette são interessantes e, mesmo existindo em grande quantidade, a dinâmica das revelações consegue se manter atraente até o fim do livro. 

No entanto, a história, que se desenvolve ao longo de 491 páginas, acaba ficando cansativa pelo excesso de personagens, tramas e reviravoltas. Existem elementos que funcionam muito bem, como as relações entre os protagonistas e a dinâmica de descobertas através das fitas cassete, mas existem tramas muito desnecessárias que poderiam ser resolvidas de forma mais prática. A história aborda uma segunda morte, término de relacionamento, maternidade, amizade, amor, mistério e ainda envolve um circo de horrores, uma família judia exterminada pelos nazistas, um assassino sem escrúpulos, casos de abuso sexual e outras coisas. 

Mesmo que a autora consiga conectar a maior parte dessas tramas e dar um desfecho à altura da história que criou, o leitor chega ao fim cansado depois de ter que passar por várias contextualizações ao longo dos anos, demasiadas apresentações de personagem e reviravoltas que parecem pouco críveis. Outra questão é que a autora demonstra uma forte necessidade de construir justificativas para cada sentimento das personagens. Em alguns momentos isso é ótimo e ajuda o leitor a alcançar o peso do que ele está lendo, mas tem casos em que muita contextualização acaba por humanizar demais personagens que poderiam terminar sendo mais odiados pelo público. 

Valérie Perrin, autora de “Querida Tia”, “Três” e “Água fresca para as flores” (Foto: Divulgação/Intrínseca)

Trabalhando muitas ideias, a trama poderia ficar mais restrita ao mistério inicial e a relação de Agnés e Colette, aos mistérios que, ao serem solucionados, vão mudar para sempre a vida da sobrinha. O ponto alto é a maneira como a autora consegue trabalhar as relações familiares dentro da história, é isso que mais se conecta com o público, é daí que sai a maior parte dos sentimentos da trama. Mesmo tendo sido bem trabalhada, essa parte da história acaba um pouco ofuscada pelo cansaço que outros excessos causam.

Mesmo com alguns tropeços, “Querida Tia” apresenta uma história envolvente e um final interessante dentro do que se propõe. Os leitores que não ficarem envolvidos pelo mistério principal, certamente vão se comover com a relação entre a tia e a sobrinha e com as outras personagens da trama. A autora consegue transpor para dentro das páginas lugares incríveis e sentimentos que vão do ódio ao amor. Mesmo em um contexto de muitas mortes, a narrativa lembra, com delicadeza, a importância de viver de verdade. 

Foto de Capa: Divulgação/Intrínseca

Resenha por Gabriel Ribeiro, com edição de texto de Vinicius Corrêa

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