Nas noites de domingo (2), segunda-feira (3) e terça-feira (4), as 12 Escolas de Samba do Grupo Especial do Rio de Janeiro desfilaram na Marquês de Sapucaí para o Carnaval 2025. As agremiações cruzaram o Sambódromo com grandes enredos e levantando o público presente.
Pela primeira vez, os desfiles foram distribuídos em três noites, em vez de duas, reduzindo a quantidade de Escolas que se apresentam por dia. A Unidos de Padre Miguel abriu a programação no domingo (2) e a Portela encerrou o espetáculo na terça (4).
Primeira noite de desfiles
UNIDOS DE PADRE MIGUEL
Após 52 anos longe do Grupo Especial do Carnaval carioca, a Escola celebrou seu retorno com o enredo “Egbé Iyá Nassô”, uma homenagem à trajetória de Francisca da Silva, conhecida como Iyá Nassô, uma figura essencial na história do candomblé no Brasil.

O desfile retratou momentos marcantes da vida e da resistência de Iyá Nassô, destacando sua importância na cultura afro-brasileira e o protagonismo das mulheres negras na formação da identidade nacional. A bateria também reforçou essa representatividade feminina, contando com 40 ritmistas mulheres.
A Unidos de Padre Miguel agitou a Sapucaí com seu samba. Um dos destaques mais emblemáticos do desfile foi o imponente Boi Vermelho, da mesma tonalidade vibrante associada a Xangô. A figura simbólica remete à Vila Vintém, na zona oeste do Rio de Janeiro, onde nasceu a Escola de Samba.
Entre os destaques da Escola, o abre-alas impressionou ao trazer três carros acoplados simbolizando o império de Oyó. Além disso, um dos carros alegóricos liberou um aroma de colônia, remetendo aos banhos de ervas utilizados em rituais religiosos. A comissão de frente contou com 15 integrantes vestidos de branco, com a cabeça coberta, carregando grandes peças de búzios – símbolos das religiões de matriz africana. Durante a apresentação, esses elementos se transformavam em escudos.
No carro abre-alas, a atriz Jéssica Ellen deu vida à ialorixá Iyá Nassô, protagonizando um dos momentos mais marcantes do desfile. Logo no começo da apresentação, a Escola enfrentou falhas no som, um problema que, segundo a Liga Independente das Escolas de Samba (Liesa), foi causado por uma falha da empresa responsável pela operação dos equipamentos. Outras escolas também sofreram com essa mesma dificuldade no domingo.
IMPERATRIZ LEOPOLDINENSE
A Imperatriz Leopoldinense foi a segunda Escola a cruzar a Marquês de Sapucaí, levando para a avenida a jornada de Oxalá em sua visita ao reino de Xangô, resgatando os conhecimentos ancestrais dos povos africanos. Com o enredo “Ómi Tútu ao Olúfon – Água fresca para o senhor de Ifón”, a agremiação do bairro de Ramos, na zona norte do Rio, encantou o público com um desfile vibrante.

Desde a comissão de frente até o último carro alegórico, a escola emocionou os espectadores, que cantaram junto do início ao fim. A narrativa destacou os desafios enfrentados por Oxalá ao negligenciar as oferendas a Exu, trazendo para a avenida elementos marcantes dessa história.
Os integrantes da comissão de frente se vestiram com as roupas tradicionais de Oxalá, segurando seus cajados sagrados. O carro abre-alas prestou uma homenagem ao senhor de Ifón, enquanto o segundo carro retratou Exu aguardando a oferenda de Oxalá, que nunca chegou.
O grande encerramento trouxe a representação da purificação de Oxalá. Já a bateria, formada por 250 ritmistas, incorporou a figura de Oxalá carregando um fardo de sal nas costas, simbolizando mais uma provocação de Exu.
UNIDOS DO VIRADOURO
Atual campeã do Carnaval carioca, a Escola de Niterói levou à Sapucaí a história de Malunguinho, um grande líder do século XIX que comandou o Quilombo do Catucá, no norte de Pernambuco.

Com o enredo “Malunguinho: o Mensageiro de Três Mundos”, a Viradouro explorou a luta por liberdade e resistência, promovendo um intenso diálogo entre as culturas afro e indígena. O desfile impressionou pelo uso de efeitos holográficos, que simbolizaram a chave do cativeiro do catimbó.
A comissão de frente surpreendeu o público com uma combinação de efeitos visuais e pirotécnicos ao redor de uma imponente coroa. Um dos momentos mais impactantes foi a utilização de drones, que lançaram chapéus ao ar em meio a labaredas reais e chamas cenográficas, criando um espetáculo de beleza na avenida.
ESTAÇÃO PRIMEIRA DE MANGUEIRA
Encerrando os desfiles de domingo (2), a Mangueira levou para a Sapucaí uma importante celebração da influência dos povos bantos, especialmente de Angola, na cultura, sociedade e religiosidade do Rio de Janeiro. O enredo “À Flor da Terra – No Rio da Negritude entre Dores e Paixões” conquistou o público e foi o mais cantado ao longo da noite.

A comissão de frente apresentou três momentos: a beleza da vida na África, o sofrimento imposto pela escravidão e o renascimento no Rio de Janeiro. A cena final destacou os “crias” dançando passinho, enquanto pipas eram empinadas por drones, representando símbolos das comunidades cariocas e a herança banto na cidade. Um dos carros alegóricos chamou a atenção ao exibir torres de caixas de som empilhadas, remetendo aos ritmos que fazem parte das ruas atualmente, como o passinho, o samba e o funk.
O samba-enredo empolgou o público, que cantou do começo ao fim. A bateria inovou ao misturar diferentes batidas, transitando entre o funk e os toques de macumba. A ala “Palavra Plantada” fez uma homenagem à influência banto no português falado no Rio de Janeiro, ressaltada com figurinos adornados por espadas de Santa Bárbara e palavras de origem banto, como “bamba”, “dengo”, “pinga”, “cuíca” e “xodó”.
Segunda noite de desfiles
UNIDOS DA TIJUCA
Pouco depois das 22h, a juventude do Borel, como diz um trecho do samba-enredo da Unidos da Tijuca, desceu o morro para homenagear Lógun Edé. Das arquibancadas, o público saudou a agremiação, que teve a responsabilidade de abrir a noite de desfiles.

Após terminar em 11º lugar em 2024, a Tijuca entrou na Sapucaí determinada a conquistar seu quinto título no Grupo Especial com um enredo dedicado ao Orixá Logun-Edé, conhecido como o “Santo menino que até o mais velho respeita”.
No início do desfile, a Escola enfrentou alguns contratempos com suas alegorias, incluindo um carro que permaneceu apagado por alguns momentos. No entanto, os problemas não parecem comprometer a avaliação dos jurados.
A comissão de frente apresentou um grande tripé, onde a figura do Orixá encontra o olho d’água e deixa de ser um espírito para se materializar. O enredo costurou a trajetória da entidade, contando com a participação de integrantes grávidas no abre-alas, simbolizando sua gestação divina, e reforçando a conexão com a juventude. Na última alegoria, a representação do morro do Borel que, sendo relacionada à música do afro funk e do grafite, distribuía para o mundo mensagens da juventude preta periférica.
BEIJA-FLOR DE NILÓPOLIS
Com 14 títulos no Grupo Especial do Carnaval do Rio, a Beija-Flor de Nilópolis protagonizou um desfile memorável na Sapucaí, marcado pela despedida de Neguinho da Beija-Flor que, após 50 anos, encerrou sua trajetória como a voz oficial da azul e branca.

A Escola trouxe para a avenida o enredo “Laíla de Todos os Santos, Laíla de Todos os Sambas”, uma homenagem ao icônico diretor de carnaval, peça fundamental na história da agremiação e do Carnaval carioca. Laíla esteve presente em 13 das 14 conquistas da Beija-Flor e faleceu em 2021, vítima da covid-19.
Na comissão de frente, sua imagem foi representada como uma criança, recebendo bênçãos dos santos em meio à comunidade de Nilópolis. O cenário contou com uma emocionante alegoria onde velas eletrônicas emergiam do chão, criando um efeito impactante. A despedida de Neguinho da Beija-Flor emocionou o público que, junto a um samba-enredo marcante e uma bateria que trouxe paradonas, levou a Sapucaí a cantar em coro.
Um dos momentos mais emocionantes do desfile foi o quinto carro alegórico, que promoveu um reencontro simbólico entre dois gigantes da história da Escola: Laíla e o carnavalesco Joãosinho Trinta, falecido em 2011 e responsável por cinco dos títulos da Beija-Flor.
No carro, Laíla foi representado com guias em volta do pescoço, enquanto Joãosinho apareceu vestido de gari, uma referência à alegoria que vinha logo depois: a releitura do icônico Cristo Preto, que, em 1989, surgiu coberto por uma lona preta e cercado por ratos, tornando-se um dos momentos mais marcantes da história da Escola.
ACADÊMICOS DO SALGUEIRO
O Salgueiro foi a terceira Escola a cruzar a Marquês de Sapucaí, apresentando um enredo que explorou os amuletos e rituais de proteção enraizados na cultura brasileira.

Com o objetivo de conquistar seu décimo título no Grupo Especial, a vermelho e branco trouxe referências à chegada dos africanos muçulmanos escravizados à Bahia, destacando a herança dos povos mandingas de Mali, no norte da África.
O casal de mestre-sala e porta-bandeira personificou os Orixás guerreiros Xangô e Iansã, mas a apresentação reservou uma surpresa. Em determinado momento após concluírem suas apresentações, os dois subiram em uma moto, trocaram de figurino e retornaram como destaques do sexto e último carro alegórico. O pedido inusitado veio de Zé Pelintra, que, ao ser consultado, quis que o primeiro casal brilhasse em sua alegoria.
Para envolver toda a Escola em um manto de proteção, o Salgueiro defumou a Sapucaí. O aroma das ervas queimadas se espalhou pelo Sambódromo, reforçando a força espiritual do enredo.
VILA ISABEL
A Unidos de Vila Isabel foi a última Escola a se apresentar na segunda noite de desfiles no Sambódromo. Com o enredo “Quanto mais eu rezo, mais assombração aparece!”, a agremiação trouxe à avenida elementos assustadores, pelo menos em teoria. Fantasmas, lobisomens, caveiras, dragões, monstros, mascarados, Bicho-Papão, espantalhos, Cuca, vampiros, bruxas, Lobo Mau e zumbis dominaram as fantasias e alegorias da Escola.

O desfile se desenvolveu como uma viagem imaginária de um trem-fantasma, explorando como as assombrações estão presentes no cotidiano, mas com uma abordagem divertida. A comissão de frente contou a história de um homem que enganou o diabo, com a participação de um drone que mostrava a transformação do herói em uma abóbora voadora – mas o elemento falhou e a abóbora caiu logo no início da apresentação.
A Vila Isabel foi a única escola da noite a fugir da temática afro-brasileira. A bateria atravessou a avenida com os ritmistas vestidos de vampiro. Um dos momentos mais marcantes foi o quinto carro alegórico, intitulado “Quem Tem Medo de Bicho-Papão”, que trouxe personagens infantis inspirados no cinema, transformando o medo em diversão e brincadeira.
O cantor e compositor Martinho da Vila, um dos maiores ícones da Escola, se emocionou ao atravessar a Passarela do Samba no carro abre-alas.
Terceira noite de desfiles
MOCIDADE INDEPENDENTE DE PADRE MIGUEL
A Mocidade deu início à terceira noite de desfiles com um enredo que explorou o futuro e a tecnologia.

Este ano, a Escola quebrou a tradição e decidiu não levar um tripé na comissão de frente. A apresentação foi marcada pelo uso de cinco painéis de LED, de onde saía um humanoide gigante coreografado e robôs em forma de cachorros, ambos encantaram o público.
Com 3.000 componentes, a Escola trouxe à Sapucaí carros alegóricos que faziam referência a dispositivos eletrônicos e à exploração espacial. Em uma abordagem retro-futurista, uma das alas trouxe as visões de passado e futuro presentes nas animações Os Flintstones e Os Jetsons, muito populares nos anos 1960.
A bateria, fiel à sua tradição, apresentou a famosa “paradinha”, uma marca criada por Mestre André, um dos fundadores da Mocidade. Além disso, os elementos e as cores trazidas na avenida lembraram grandes momentos da Escola nos anos 90 nas mãos do casal Lage. Para este ano, o carnavalesco Marcio Lage recebeu missão de “recriar” a Mocidade, assinando o desfile junto com Renata Lage, sua esposa falecida em janeiro deste ano, vítima de leucemia.
PARAÍSO DO TUIUTI
A Paraíso do Tuiuti narrou a história de Xica Manicongo, a primeira travesti não indígena registrada na história do Brasil. Natural do Congo, Xica foi escravizada e trazida ao Brasil no século XVI. Recebeu o nome de Francisco, mas não correspondia à sua verdadeira identidade. Ao se recusar a vestir roupas masculinas, foi processada pelo Santo Ofício na Bahia, em 1591.

Buscando seu primeiro título, a Escola enfrentou dificuldades na manobra das alegorias na entrada do Sambódromo, afetando sua evolução do desfile. No final, componentes e alegorias precisaram correr para ajustar o tempo da apresentação, que foi concluída exatamente em 80 minutos, o tempo limite.
Durante o desfile, a Tuiuti se manifestou contra a intolerância e pediu respeito à comunidade LGBTQIAPN+, com um discurso que explorava o conceito de “transcestralidade”, abordando a ancestralidade das pessoas trans.
A comissão de frente, retratando pessoas trans e travestis em diversas funções na sociedade, contou com a presença da deputada federal Érika Hilton (PSOL-SP), que usou uma faixa presidencial. Entre os destaques dos carros alegóricos estavam a cantora e atriz Linn da Quebrada e Eloina dos Leopardos, travesti considerada a primeira a ocupar o cargo de rainha de bateria na história do carnaval do Rio.
GRANDE RIO
A Acadêmicos do Grande Rio levou o público a uma imersão nas águas do Pará no enredo “Pororocas Parawaras – As águas dos meus encantos nas contas dos curimbós”. O desfile trouxe à tona a origem da religião afro-brasileira Tambor de Mina, narrando a história de três princesas turcas, contada nos terreiros paraenses e nas músicas de carimbó.

A narrativa revela que Mariana, Jarina e Herondina foram enviadas em um navio de guerra, sob ordens de seu pai, para escapar de conflitos religiosos. Durante a travessia pelo Atlântico, uma tempestade devastadora destruiu a embarcação.
A comissão de frente representou esse episódio dramático, com dançarinos vestidos com trajes azuis e fluidos, simbolizando o mar agitado. O tripé cenográfico foi ajustado, com uma parte separada, para recriar o naufrágio.
No carro abre-alas, a atriz Dira Paes e as cantoras Fafá de Belém e Naieme interpretaram as princesas turcas, que, após a tempestade, são levadas pelas águas para um reino encantado. A alegoria foi adornada com peixes e águas-vivas infláveis que flutuaram pela avenida. Em certo momento, um dos balões acabou caindo sobre a pista, sendo rapidamente retirado pelos componentes da Escola.
PORTELA
Última Escola a atravessar a Marquês de Sapucaí, a Portela concluiu o carnaval carioca de 2025 com uma emocionante homenagem a Milton Nascimento, que estava presente no desfile, aos 82 anos. Detentora de 22 títulos, a Escola não conquista a primeira posição desde 2017, quando compartilhou o campeonato com a Mocidade.

Em vez de narrar a vida do cantor, a Azul e Branca optou por explorar como a sua música toca as pessoas de maneira profunda. A comissão de frente utilizou luzes para simbolizar o poder da música, que ilumina, aquece e transmite esperança.
O desfile, conduzido como uma procissão em direção ao Sol, trouxe alegorias que evocavam temas de fé, amizade, sonhos e memórias. Também foram apresentadas referências a canções de Milton e do Clube da Esquina, como as nuvens de “Nuvem cigana”, os girassóis de “Um girassol da cor de seu cabelo” e o trem azul de sua música homônima.
No último carro alegórico, Milton Nascimento foi representado como o Sol da Portela, sentado em um trono enfeitado com elementos da arte mineira. Drones iluminados criaram uma imagem do sol no céu da avenida. Diversos artistas próximos ao cantor, como Maria Gadú, Simone e Marcos Valle, também participaram da homenagem.
A apuração que determina a grande campeã do Carnaval 2025 do Rio de Janeiro acontece nesta quarta-feira de cinzas (5) na Marquês de Sapucaí, a partir das 16h.
Foto de capa: Alexandre Vidal/RioCarnaval
Reportagem de Jorge Barbosa
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