Quase 500 mil cariocas passam fome, revelam dados inéditos do 1º Inquérito sobre a Insegurança Alimentar no Município do Rio de Janeiro, conhecido como Mapa da Fome. A pesquisa, divulgada nesta quarta-feira (29), foi realizada pela “Frente Parlamentar contra a Fome e a Miséria no Município do Rio de Janeiro” da Câmara Municipal, em parceria com o Instituto de Nutrição Josué de Castro (INJC), da UFRJ, e aponta que cerca de 2 milhões de pessoas sofrem com algum nível de insegurança alimentar, seja leve, moderada ou grave. É a primeira vez que o estudo é feito por uma cidade brasileira. Moradores de bairros de áreas pobres da cidade, como Madureira, Penha, Complexos da Maré, Alemão e do Jacarezinho, na Zona Norte, são as maiores vítimas.
Idealizado em 2021, durante o auge da pandemia da Covid-19, o relatório levou dois anos para ser iniciado. A abordagem metodológica empregada dividiu a cidade em Áreas de Planejamento (APs), numeradas de 1 a 5. Ao longo do processo, foram analisados 2 mil domicílios, com 1.819 famílias respondendo às perguntas, dando um total de 4.881 informações de residentes do município do Rio, uma média de 2,4 moradores por família. As entrevistas aconteceram entre novembro de 2023 e fevereiro deste ano.
“O Mapa da Fome do Rio é um importante legado para a população carioca. Ele servirá de base para fornecer critérios técnicos para a implementação de políticas públicas e auxiliar na ampliação dos restaurantes populares, cozinhas comunitárias e demais instalações de programas de segurança alimentar”, diz o vereador Dr. Marcos Paulo (PT), presidente da Frente Parlamentar Contra a Fome e a Miséria no Município do Rio de Janeiro.
Os dados indicam que a maioria dos lares na cidade do Rio de Janeiro, representando 67,1%, desfrutam de segurança alimentar, ou seja, têm garantido o acesso adequado à comida. Entretanto, para 16,9% das famílias, a incerteza sobre a disponibilidade de alimentos adequados era uma realidade, caracterizando uma forma leve de insegurança alimentar.
Além disso, 16% das famílias enfrentavam restrições quantitativas em sua alimentação, sendo que 7,9% delas estavam em situação de insegurança grave, ou seja, conviviam com a fome. Em termos numéricos, aproximadamente 2 milhões de residentes do Rio de Janeiro lidavam com algum nível de insegurança alimentar, dos quais 488,7 mil estavam em condições precárias, comendo apenas uma vez ao dia ou passando um dia inteiro sem se alimentar.
A pesquisa revela ainda que o acesso a uma alimentação adequada é desigual nas diferentes áreas da capital fluminense. A Área de Planejamento (AP) 3, que abrange a Zona Norte excluindo a Grande Tijuca, é a mais afetada pela fome, presente em 10,1% dos lares. A situação é mais grave em casas chefiadas por pessoas pretas ou pardas, com 9,5% desses domicílios enfrentando a fome. Em termos de gênero, 8,3% das famílias lideradas por mulheres também sofrem com a falta de alimentos.

Outros dados indicam que a falta de alimentos afeta 16,6% das famílias com menor escolaridade. A fome também está presente em 18,3% dos lares onde a pessoa responsável está desempregada, e em 34,7% dos domicílios com a menor renda per capita.
Comparando os dados do IBGE de 2017/2018 com os resultados desta pesquisa, observou-se um aumento significativo no número de famílias enfrentando insegurança alimentar grave no município do Rio de Janeiro. Esse aumento foi de 2% para 7,9%, representando um crescimento de aproximadamente 300% ao longo de seis anos.
Em relação à renda, cerca de 20% das famílias estavam vivendo com uma renda de até meio salário mínimo por pessoa. Além disso, foi notado que a proporção de insegurança alimentar grave era seis vezes maior em famílias cujo responsável estava empregado de forma informal, em comparação com aquelas em que o responsável possuía um emprego formal. Quando o responsável pelo sustento da família estava desempregado, a ocorrência de insegurança alimentar grave aumentava significativamente. Comparado ao grupo de famílias em que o responsável tinha um emprego formal, a incidência de insegurança grave era nove vezes maior.
Entendendo a pesquisa
Para embasar o estudo, foram utilizados dados do último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) para fins comparativos. No intuito de identificar a escassez alimentar na capital fluminense, os pesquisadores se valeram da Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA), a qual emprega quatro critérios para avaliar a vulnerabilidade das famílias: segurança alimentar, insegurança alimentar leve, moderada ou grave.
Dentre os graus de insegurança alimentar, o primeiro denota uma queda na qualidade dos alimentos consumidos; o segundo refere-se a uma diminuição na quantidade ingerida por adultos; enquanto o terceiro (grave) representa uma redução geral no consumo entre todos os membros da família, inclusive crianças — caracterizando a fome. Neste último cenário, estão inclusas as pessoas que se alimentam apenas uma vez ao dia ou que passam um dia inteiro sem comida.
Insegurança Hídrica
O Mapa da Fome da cidade do Rio de Janeiro também aborda a questão da insegurança hídrica. De acordo com o estudo, 15% dos domicílios cariocas não tiveram acesso regular ao fornecimento de água ou enfrentaram escassez de água potável. Dessas famílias afetadas, 27% estavam em situação de fome.
As áreas mais impactadas pela falta de recursos hídricos foram o Centro e a zona portuária, com 24,3%, e a zona norte excluindo a Grande Tijuca, com 21,7%.
Políticas Públicas
O estudo avalia as políticas públicas e iniciativas, tanto governamentais quanto da sociedade civil, que visam garantir o acesso à alimentação saudável. No entanto, os resultados revelam que as três unidades dos restaurantes populares municipais, situadas em Bonsucesso, Bangu e Campo Grande, atenderam apenas 6,9% da população carioca. As cozinhas comunitárias e o programa Prato Feito Carioca foram utilizados por apenas 2,1% dos moradores da cidade durante o período de agosto a outubro de 2023. Além disso, as visitas domiciliares realizadas por agentes comunitários de saúde têm sido escassas, com 56,5% da população do município relatando não ter recebido nenhuma visita nos últimos três meses.
O principal programa de segurança alimentar da cidade envolve o acompanhamento assistencial e nutricional em diversas unidades de acolhimento, como abrigos, hotéis e albergues noturnos, direcionados a adultos, crianças e adolescentes. O estudo identificou 34 desses estabelecimentos públicos, que atendem a aproximadamente 1,5 mil pessoas, além de cinco hotéis com 500 hóspedes. No entanto, é importante ressaltar que há apenas um albergue destinado à população LGBTQIAP+, localizado na Área de Planejamento 1 (Centro e zona portuária), e apenas duas unidades de reinserção social na Área de Planejamento 2 (zona sul), situadas no Catete e em Laranjeiras.
Foto de capa: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Reportagem por Jorge Barbosa
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