Comportamento Crônica

Narrativas cotidianas

Mariana Motta relata seu encontro com Augusta, uma mulher de 70 anos cheia de energia e vivacidade, no 457

Por Mariana Motta

Estamos o tempo todo falando e escrevendo sobre nós mesmos. Nossas angústias, nossas felicidades, nossos momentos e, consequentemente, nossa vida. Nossa, chego a ficar cansada de tanto pronome possessivo.

Gosto de dizer que faço jornalismo porque não preciso falar de mim, mas no final do dia, percebo que todas as crônicas que escrevo são sobre mim. Assim como todas as crônicas que leio aqui, também são sobre as pessoas que as escrevem.

Mas hoje quero fazer diferente, quero contar algo sem muita importância, uma situação corriqueira de uma história que não é sobre mim.

Era terça-feira de carnaval, eu estava no 457, em pé no ônibus, indo para o Arpoador, e tinham quatro senhoras sentadas conversando. Uma delas, que vou nomear como Augusta, era a mais animada e falava abertamente sobre a sua vida.

Augusta tinha dois filhos já adultos. O primogênito, sentia muito ciúmes e preocupação com ela. Na visão dele, Augusta já era uma senhora de 70 anos e tinha que ficar em casa o dia inteiro. Mas para ela não, a jovem senhora contou que saiu todos os dias do carnaval. E naquela terça, pretendia ir à praia, depois dar uma passada em algum bloco, e terminar o dia bebendo no bar.

Ela contava também que o filho mais velho morria de medo dela sair de casa, por conta da violência da cidade. Essa parte da conversa, terei que transcrever. Ninguém falou tão bem quanto a Augusta. Era contagiante. “Ele acha que eu vou deixar de sair e me divertir por conta de assalto. Vê se pode, meu filho acha que conhece mais o Rio do que eu. Falo direto para ele: ‘Meu filho, tenho 70 anos de Rio de Janeiro, você só tem 30. Conheço muito mais isso aqui do que você.’ Já pensou se eu deixo de me divertir por medo da violência? Cruz credo! Ia ficar em casa o dia inteiro. Tô muito nova ainda.”

A vivacidade de Augusta encantava as outras senhoras que estavam com ela. Todas concordavam e riam. “Meu filho é igual”, dizia uma. “A gente tem mais é que aproveitar mesmo, eles aproveitam, por que a gente não pode?”, dizia a outra.

Augusta também falou de uma vez que estava em um ônibus, e começou um tiroteio do lado de fora. Os passageiros entraram em desespero, queriam descer do ônibus. A moça do banco ao seu lado pediu para que ela se abaixasse. “Eu não”, foi a resposta de Augusta. E ainda completou: “A gente tá mais segura dentro do ônibus do que na rua”. Simplesmente ficou sentada, esperando o tiroteio passar. Como ela mesma conta, já com 70 anos de Rio de Janeiro, sabia que o desespero só ia piorar a situação.

Além disso, a jovem senhora contava um pouco da sua história de vida. Seu ex-marido a largou para ficar com outra mulher. Em um determinado momento da conversa, ela conta que seu filho mais novo estava viajando naquele período do carnaval, e pediu para ela tomar conta do cachorro dele. Augusta, que não tinha muito talento com cachorros, só gatos, falou para o filho procurar o pai e mandar ele e a mulher dele tomarem conta do cachorro.

Ela disse ainda que, antigamente, quando precisava de ajuda, tinha que se virar sozinha, já que o pai não era tão presente. Mas se engana quem pensa que ela contava isso com tristeza. Augusta batia no peito dizendo que criou seus filhos sozinha. E, se os filhos quiserem, depois de adultos, pedir alguma coisa, que seja para o pai, porque agora ela queria aproveitar a vida. Não queria passar o carnaval inteiro com a responsabilidade de cuidar de um cachorro que não era dela. Estava muito feliz com a sua liberdade.

Confesso que queria ter ouvido mais da vida de Augusta, mas precisei descer do ônibus. Queria poder ter ido a mesma praia que ela, para ficar quieta só ouvido suas histórias e gargalhando.

Na verdade, eu poderia vir aqui e falar sobre o quanto a Augusta mexeu comigo. Poderia passar parágrafos e mais parágrafos contando sobre a importância desse dia para mim. A gente costuma ter essa mania horrível de achar que nossas histórias são mais importantes que a dos outros, só que eu transformaria toda a história de uma pessoa, em algo sobre mim, e esse não é esse meu objetivo. Por isso, hoje, eu queria apenas escrever sobre ela.

Augusta, obrigado. Essa crônica é sobre você, a sua alegria e um 457 tão cheio de histórias para contar.

Crônica de Mariana Motta, com edição de texto de João Agner

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