Da sala de aula Saúde

Especialistas e usuários discutem a dependência emocional no uso de cigarro convencional e eletrônico

Para além dos sintomas físicos previamente identificados, o hábito de fumar pode estar diretamente associado a casos de ansiedade, inquietação, desânimo e depressão

A pandemia da Covid-19 desencadeou uma série de impactos adversos na saúde mental das pessoas ao redor do mundo. As ramificações psicológicas dessa crise sanitária têm sido amplas e profundas, refletindo-se em uma variedade de desafios emocionais que afetam indivíduos em diferentes graus e idades. Muitas dessas implicações têm sido resultado do clima generalizado de apreensão e incerteza, bem como das medidas de isolamento sociais que foram implementadas.

No entanto, uma pesquisa recentemente divulgada pela Fiocruz trouxe à luz um impacto adicional, mais diretamente associado àqueles que têm o hábito de fumar. Os dados revelam que 34% dos fumantes no Brasil aumentaram o consumo de cigarros durante o período pandêmico. Os participantes do estudo que são afetados pelo tabagismo relataram experimentar uma degradação significativa na qualidade de vida, reforçando a dependência constante no uso de cigarro. Essas descobertas indicam que o tabagismo tem se tornado um hábito em crescimento, especialmente entre a população mais jovem.

A conexão entre o crescimento no uso de cigarros e a queda na saúde mental, ressalta a necessidade de canalizar esforços e táticas direcionadas, auxiliando aqueles que enfrentam desafios com o tabagismo. Identificar essas dinâmicas suplementares é crucial para conceber intervenções eficazes que não só atuem sobre os elementos abrangentes da saúde mental, mas também abordem as problemáticas particulares associadas ao hábito de fumar.

Segundo a psicóloga Ondina Maria, que é Doutora em Psicanálise, Saúde e Sociedade pela UVA, todo vício marca uma questão de dependência por conta de uma compulsão regida pelo inconsciente. O indivíduo se prende a um determinado vício porque condiciona o seu organismo a receber algum tipo de efeito da droga, trazendo sensações de prazer, como o hormônio da endorfina.

“Para nós da psicanálise, tudo que é levado à boca, como comida e bebida alcoólica e até o cigarro, tem uma analogia na amamentação de um bebê. Na fase oral, a criança vai para o seio da mãe e acaba se sentindo segura. Ou seja, sempre que usamos a boca, remetemos a um estágio de segurança e prazer”, comenta a psicóloga.

A relação entre cigarro e saúde mental é complexa. Muitas pessoas recorrem ao tabaco como um mecanismo de enfrentamento para lidar com o estresse e a ansiedade. O ato de fumar pode proporcionar uma sensação temporária de alívio, agindo como uma espécie de escape momentâneo das pressões da vida cotidiana. No entanto, essa aparente “calma” é efêmera, e o ciclo vicioso de dependência pode, eventualmente, intensificar o estresse, contribuindo para a deterioração da saúde mental. É o caso do estudante de Publicidade Pedro Fernandes, 26, que sempre que está estressado, pensa em ir comprar um cigarro.

“Parece que diminui bastante o meu estresse, proporcionando uma sensação única de alívio. Confesso que já tentei reduzir o uso, mas é um processo difícil”, relata Pedro.

Os vapes, ou cigarros eletrônicos, atraem com seus dispositivos tecnológicos e seu sabor diferente. Foto por Ruslan Alekso em Pexels.com

Cigarro eletrônico
O uso de cigarro eletrônico também apresenta riscos à saúde. Embora muitos considerem os cigarros eletrônicos uma alternativa aparentemente menos prejudicial ao tabagismo tradicional, a presença de nicotina nesses dispositivos ainda apresenta riscos significativos de dependência. A natureza atraente dos sabores e o ato de vaporizar podem contribuir para a formação de hábitos persistentes, levando ao vício constante que, em muitos casos, surpreende os usuários.

Segundo informou a presidente da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, Margareth Dalcolmo, estima-se que o País já conte com dois milhões usuários de cigarros eletrônicos. De acordo com a pesquisadora, a maioria dos consumidores tem entre 15 e 24 anos.

“O que estamos fazendo com a permissividade da venda dos cigarros eletrônicos é criar de maneira perversa as novas legiões de dependentes de nicotina, que vão apresentar DPOC [doença pulmonar obstrutiva crônica] em idade muito mais tenra do que aquela que estamos habituados a tratar”, disse a pneumologista à Agência Câmara de Notícias.

A falta de regulamentação efetiva e a publicidade agressiva desses dispositivos podem facilitar a introdução de jovens ao mundo dos cigarros eletrônicos, aumentando o potencial de dependência em uma idade mais precoce. Karen Rodrigues, influenciada por amigos e na tentativa de escapar da realidade, começou a fumar quando tinha cerca de 14 anos.

“Como resultado, meu corpo reagiu de várias maneiras, emagrecendo e, repentinamente, ganhando peso. Também acredito que a ansiedade esteja envolvida nesse processo”, desabafa Karen, hoje com 22 anos.

Além dela, o motoboy Diego Henrique, de 24 anos, começou a usar cigarro eletrônico quando tinha uns 18 anos. No início, parecia uma alternativa menos prejudicial em comparação ao cigarro tradicional. O cigarro eletrônico parecia mais moderno, menos prejudicial, mas logo percebeu que a nicotina ainda exercia o controle sobre ele.

“Os sabores atraentes e a ideia de vaporizar me atraíram. Eu me envolvi nesse hábito sem nem perceber o quanto isso se tornaria parte do meu dia a dia”, diz Henrique.

A estudante de Direito Nicoly Berçacollo, de 19 anos, relata já ter experimentado os dois tipos de cigarro e tentou incorporar o cigarro eletrônico na rotina, mas se sentia mais satisfeita com o convencional.

“É uma escolha pessoal, reconhecendo os riscos, mas a familiaridade e a tradição do cigarro comum acabaram se revelando mais fortes em minha preferência”, conta a jovem.

Com isso, a  discussão sobre a dependência emocional no uso de cigarro convencional e eletrônico destaca a complexidade desse desafio de saúde pública. Tanto o cigarro tradicional quanto o eletrônico tornam-se, para muitos, não apenas uma questão física de dependência de nicotina, mas também um meio de enfrentar desafios emocionais. A busca por alívio emocional, seja diante do estresse, ansiedade ou solidão, frequentemente motiva o hábito do tabagismo, ressaltando a necessidade de uma abordagem holística na prevenção e tratamento.

Os estudiosos notaram que indivíduos que optaram por abandonar o hábito de fumar experimentaram uma redução significativa nos sentimentos associados à depressão e ansiedade, além de cultivarem uma perspectiva mais otimista em relação à vida. Essas descobertas sugerem que o ato de deixar de fumar, não apenas pode influenciar positivamente a saúde física, mas também exercer impactos no bem-estar emocional e mental.

Reportagem realizada por Julia Gabriela da Silva para a disciplina de Jornalismo Independente, ministrada pela professora Daniela Oliveira.

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