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Especialistas discutem uso de inteligências artificiais no campo da Comunicação Social

Em entrevista para a Agência UVA, pesquisadores debatem o uso das diversas IAs para o Jornalismo e a Publicidade.

O uso das diversas inteligências artificiais (IA) tem estado no centro de muitos debates acadêmicos, filosóficos e éticos. As IAs são tecnologias programadas para simularem a inteligência humana, como em serviços de assistência de voz como Siri (Apple), Bixby (Samsung) e Alexa (Amazon), ou reconhecimentos faciais e de digital. Essas ferramentas vêm conquistando cada vez mais o interesse de usuários com a ascensão de plataformas como ChatGPT, que exibe respostas imediatas para prompts sugeridas pelo usuário. 

Entretanto, o uso de tais inteligências tem se tornado polêmico em diversos âmbitos, como a categorização de plágios em projetos, substituição de profissionais por trabalhos gerados artificialmente, autoria e direitos de projetos gerados pelas inteligências, além de questões ligadas ao racismo algorítmico e outros conceitos.

A Agência UVA conversou com o publicitário e Doutorando e Mestre em Comunicação pelo PPGCOM-UERJ Rafael Malhado, ex-aluno da UVA, que tem investigado a lógica algorítmica nas poéticas entre arte, tecnologia e política a partir do neoconservadorismo na América Latina.

AGÊNCIA UVA: Como os algoritmos estão sendo aplicados na identificação da disseminação de fake news e na verificação de dados?
RAFAEL MALHADO: Essa é uma boa pergunta para tentarmos compreender o que os sistemas algorítmicos estão sendo capazes de produzir no nosso cotidiano. Um artigo que acho interessante a leitura é intitulado “The relevance of algorithms”, do pesquisador e professor norte-americano Tarleton Gillespie, do livro “Media Technologies: Essays on Communication, Materiality, and Society”. Logo no início do artigo, escrito em 2014, Gillespie cita que um dos principais propósitos da pesquisa é fazer uma análise sociológica para revelar intenções e prioridades de instituições e humanos no desenvolvimento dos processos algoritmos, e não pensar que os algoritmos são meros instrumentos técnicos. 

Então, é fundamental compreender que os sistemas algorítmicos computacionais não são o centro de todas as problemáticas contemporâneas relacionadas à política, economia, cultura, enfim, às práticas sociais do nosso presente. O que torna mais claro essa afirmação concentra-se em muitos dos resultados que os algoritmos produzem quando acionados. Isso é o que dizemos sobre o viés algorítmico: as resoluções de uma dada equação no processo algorítmico nem sempre traz somente eficácia.

Humanos e instituições que produzem desenvolvem algoritmos computacionais baseados nas suas crenças e hábitos. Portanto, o algoritmo reflete a sociedade quando ainda é capaz de resultar em resultados de buscas cujas imagens são racistas, opressivas e ainda contribuem para a permanência de desigualdades.

As fake news fazem parte de uma conjuntura algorítmica presente nas plataformas digitais que permite a disseminação de imagens, vídeos e textos. Estamos perdendo essa guerra informacional, por enquanto, pois ainda estamos longe de combater a desinformação de forma efetiva. As big techs precisam de mais políticas de regulação para as suas plataformas. Legislações e vigilância contra crimes cometidos na internet ainda precisam ser atualizados, e uma cultura de criação e acesso livre de softwares ainda necessita de um olhar mais atento. A guerra da informação está sendo perdida e isso tem a ver com o que os algoritmos andam forjando sobre os dados.

AGÊNCIA: Quais são os principais desafios na perspectiva ética em relação ao uso de inteligência artificial no Jornalismo e na Publicidade, como na seleção e apresentação de notícias e pautas?
RM: É preciso que os jornalistas e publicitários precisem recorrer sempre aos diversos meios para checarem as informações. Principalmente, quando procuramos notícias divulgadas em perfis e contas nas plataformas digitais ou quando, nos últimos tempos, recorremos a mecanismos de inteligência generativa, que basicamente são aquelas IAs que elaboram respostas às perguntas solicitadas, como o ChatGPT. Não podemos apenas pensar que as IAs e os algoritmos já entregam os dados suficientes para nós e produzirmos conteúdo jornalístico ou publicitário a partir dali. Aliás, acreditar nisso é também uma forma de atuar contrariamente à lógica acelerativa e bastante produtivista dos dias de hoje. A ética nessas profissões passa pela sua ética individual, seus valores. Se, como disse antes, o algoritmo atua também em conformidade com as questões sociais e continua produzindo essas demandas, um bom profissional de Comunicação tem de perceber todas as instâncias da sua formação.

AGÊNCIA: Como as empresas estão aproveitando as inteligências para personalizar a interação com os consumidores e leitores?
RM: A rede de display foi um dos primeiros mecanismos utilizados nessa personalização de consumo. Aquele velho exemplo do qual você se depara com o seguinte pensamento: “Nossa! Eu acabei de procurar esse produto e, agora, acessei meu smartphone e tem uma notificação de promoção dele para mim!”. Os processos algoritmos hoje atuam também com o que chamamos de agentes não-humanos. São algoritmos “conversando” com outros algoritmos, gerando processos em que suas escolhas, gostos, desejos sejam cada vez mais coletados ao acessar mecanismos de buscas como o Google ou simplesmente no uso de plataformas, como o Instagram. Para a propaganda de um modo geral, isso funciona. Na minha pesquisa eu deixo claro que sim, existe o que os algoritmos geram eficientemente. Mas há também tudo o que apontei até agora sobre o other side algorítmico. Eu tenho denominado esse aspecto como “zonas de (in)eficiência algorítmica”.

São todas as instâncias, que regulam e modificam, alcançadas pelos sistemas algoritmos computacionais: da sua geração às suas resultantes, da sua governabilidade à sua performance, da sua singularidade à sua multiplicidade, e que, nesse complexo conjunto de coeficientes há, ao mesmo tempo, eficácia e eficiência, alcances e permissões, ajustes e desvios, a predição e o seu viés. Dessa forma, o recado é semelhante aos outros comentários. Estar atento a toda essa lógica gerada pela maneira como lidamos com nossas escolhas, valores e posições, com ou sem os algoritmos, o essencial é compreender o que fazemos e como tudo isso influencia no nosso cotidiano.

Para dialogar com o pesquisador, a Agência UVA também conversou com a pesquisadora Adriane Figueirola, professora da UVA. Com pós-doutorado em Estudos Culturais pela USP, a professora centrou sua pesquisa mais recente sobre inteligências artificiais, algoritmos, e redes sociais, e coordenou o projeto de pesquisa “Impacto da Inteligência Artificial no desenvolvimento de campanhas políticas para as prefeituras do Rio de Janeiro e São Paulo em 2020”, propondo estudos da inteligência artificial como método para o desenvolvimento de campanhas eleitorais personalizadas com base no big data e no deep learning

AGÊNCIA UVA: Como as empresas e veículos podem garantir a transparência das inteligências artificiais utilizadas na produção e seleção de conteúdo?
ADRIANE FIGUEIROLA: Temos uma série de inteligências de asas generativas que podem ser utilizadas para construção de campanhas, para fazer roteiro, para editar, para fazer imagem. Mas a gente tem que ter esse cuidado, que a gente debate. O quanto isso pode sim facilitar. Eu não vejo erro em usar, mas tem a questão ética. Para também não ficar repetido, para também não roubar a informação. Quando a gente usa a inteligência, principalmente as gratuitas, ficam os nossos prompts lá, à disposição de qualquer pessoa, e outras pessoas podem pegar esses prompts. Então, você tem uma questão que ainda está muito em debate, que é de quem é a autoridade dessa construção, dessa campanha ou dessa reportagem, de quem é o direito. Então, são coisas ainda que não têm respostas prontas. 

A gente está vendo que o Brasil está avançando. O governo atual tem muita preocupação sobre isso. Mas também ainda não temos um fechamento, uma posição de regulamentações fechada. Então, como a gente não tem essa regulamentação própria e como vai ser esse direito de dado, porque isso também é um dado, então falta entender como tudo isso pode ser aplicado e como isso vai ser aplicado no futuro. 

AGÊNCIA: Como o uso de inteligência artificial tem influenciado a produção e distribuição de notícias?
AF: Eu enxergo a inteligência artificial como uma grande aliada na produção e distribuição de notícias. Ali, com todas as informações e um grande banco de dados dentro dessas inteligências, ela pode automatizar o processo, sendo uma grande ferramenta de brainstorm. Mesmo assim, não acho que a notícia tem que ser feita somente pela inteligência. Eu vejo que é importante fazer esse processo, conversar com as inteligências como o ChatGPT, como o Bard, para depois, a partir do que ele está te dando de sugestão, você ter ali um bom brainstorm para você continuar a criar sua campanha, criar sua notícia. O que a gente está vendo bastante, é a questão da personalização. 

Foto de capa: Reprodução/Pexels

Reportagem de João Agner, com edição de texto de Daniela Oliveira

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