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Terras indígenas: Lula veta tese do marco temporal

Para especialista entrevistada pela Agência UVA, assunto deveria ser preocupação de todo brasileiro

No último dia 20, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) vetou parcialmente o projeto de lei (PL) que visa estabelecer os direitos territoriais dos povos indígenas com base no conceito do “marco temporal.” De acordo com esse projeto, os povos indígenas só teriam direito às terras que ocupavam ou reivindicavam até 5 de outubro de 1988, data da promulgação da atual Constituição Federal.

O anúncio desse veto foi feito em uma coletiva de imprensa no Palácio da Alvorada, residência oficial, no final da tarde de sexta-feira (20), e contou com a presença dos ministros Alexandre Padilha (Relações Institucionais), Sônia Guajajara (Povos Indígenas) e Jorge Messias (Advocacia Geral da União).

“O presidente Lula decidiu por vetar o marco temporal, respeitando integralmente a Constituição brasileira, inclusive as decisões recentes do Superior Tribunal Federal (STF) sobre constitucionalidade desse tema”, afirmou Padilha, para a Agência Brasil.

A decisão do presidente Lula demonstra um compromisso com a preservação dos direitos e territórios dos povos indígenas, que há muito tempo têm lutado por suas terras. O veto parcial representa um novo capítulo na política indigenista do governo, abrindo espaço para uma discussão mais abrangente e inclusiva sobre a questão das terras indígenas no Brasil.

Muitas expectativas vêm sendo criadas, tanto para os povos originários quanto para o setor agrário. Os povos originários manifestam sua oposição ao marco temporal, pois, caso fosse aprovado, o PL 2903 traria à tona questões coloniais. Por outro lado, a bancada ruralista se esforça para transformar o marco temporal em realidade, porque assim, a ideia de que a ausência da tese colocaria os produtores rurais em perigo, seria aceita. 

Abya Yala e a luta dos povos indígenas
Aline Pachamama, mulher originária do Povo Puri da Mantiqueira, no Brasil, Doutora em História pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), reconta as origens do Brasil a partir de seu povo e conta o por que a tese do marco temporal deve ser invalidada.

”Abya Yala é o nome do nosso continente. Ele tem o nome dado pelos povos originários, antes do nome cunhado pelos colonizadores. Brasil é nome de árvore, que tem a sua origem no tronco Tupi. O único país, talvez, que tem nome de árvore no mundo. Quando falamos sobre marco temporal, não estamos falando apenas sobre uma série de violências em relação aos povos originários, mas também, a agressão à mãe-terra, que já vem acontecendo de forma ilegal. O marco temporal dá abertura total para você exterminar espécies do nosso País, tanto na vida humana quanto na vida dos seres vivos’’, argumenta. 

Povos originários realizaram uma séria de protestos contra o marco temporal (Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil)

Quando questionada sobre a representação indígena, por meio do Ministério dos Povos Originários, criado em 2023 pelo governo federal, Aline Pachamama diz que ter um ministério para representar os povos originários somente agora, no século XXI, é algo para se refletir.

“Por que são poucos indígenas no Congresso? Poucos indígenas nas universidades? Por que são poucos indígenas desenvolvendo seus trabalhos com liberdade, na sua terra, no seu espaço? As faculdades querem falar, mas não abrem as portas para esse indígena ser professor”, diz.

De acordo com o relatório divulgado pelo Conselho Indigenista Missionário (CiMi), o período governamental de 2019 a 2022, foi uma era marcada por ataques exponenciais aos povos originários. Desde invasões territoriais, desmontes de políticas públicas voltadas a população indígena, nos campos da saúde e educação, à erradicação dos órgãos que faziam a fiscalização  e segurança das terras indígenas.

Um exemplo recente ilustra a situação crítica enfrentada pelos povos indígenas: os trágicos acontecimentos que culminaram nos homicídios do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips, em 5 de junho de 2022. Ambos estavam realizando uma expedição pelo Vale do Javari, situado na região oeste da Amazônia, enquanto documentavam apreensões de carregamentos de peixes capturados em terras indígenas. Um outro exemplo de ataques a esses povos é o caso dos indígenas Yanomamis, assolado pelo garimpo ilegal e cuja crise humanitária foi escondida durante a gestão de Jair Bolsonaro. 

Aline é taxativa quanto ao fato de que os direitos dos povos originários precisam ser respeitados:

‘’As pessoas precisam se responsabilizar desse legado que seu ancestral deixou aqui e evitar esse tipo de situação, como o marco temporal. Porque o não indígena não foi convidado para entrar nesta terra, pelo contrário, ela foi invadida por ele. É como entrar na nossa casa e mudar toda sua estrutura. A partir das suas ideologias, religiões, do seu olhar perverso‘’, conta Aline. 

Com muitas mudanças para serem feitas e com o sentimento de revolta pelo andamento do marco temporal até a Presidência, Aline Pachamama diz que é triste ver que o povo brasileiro ainda despreza a mãe terra, nega suas raízes e se utiliza de falas e olhares preconceituosos no seu dia a dia. 

‘’Lamento muito esse golpe. O marco temporal já tinha sido votado. Essas invasões continuam acontecendo, e o marco temporal é uma esfera de luta que todo o brasileiro deveria ter levantado a mão e ido contra. Porque o brasileiro ainda é esse filho que rejeita a sua mãe indígena‘’, conclui Aline Pachamama. 

O Congresso Nacional tem a possibilidade de reverter a decisão final de Lula sobre a lei por meio da rejeição dos vetos presidenciais. Para isso, é necessário obter a maioria absoluta dos votos dos deputados e senadores, ou seja, 257 votos dos deputados e 41 votos dos senadores, contados separadamente durante a sessão do Congresso. Quando a matéria foi analisada pelo Senado, recebeu 43 votos a favor e 21 contrários. Na Câmara, foram registrados 283 votos favoráveis e 155 votos contrários.

Foto de capa: Antônio Cruz/Agência Brasil

Reportagem de Sara Alexandre, com edição de texto de Gabriel Ribeiro e Daniela Oliveira

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