Comportamento Crônica

Sorvete de pistache, amor e outros sabores estranhos

Através de reflexões sobre sabores de sorvetes, o repórter Gabriel Ribeiro tenta conceituar o amor.

Por Gabriel Ribeiro

É estranho pensar que as pessoas compram tantos sorvetes de pistache. Na verdade, eu não sei se as pessoas realmente compram tantos sorvetes desse sabor assim, mas só de olhar nas sorveterias e ver a presença dele, eu já acho muito estranho. Antes de seguir, temos que combinar uma coisa, você pode até gostar de sorvete de pistache, mas tem que concordar que ele não faz parte da lista de queridinhos do Brasil, e que é um sabor, no mínimo, exótico, uma palavra que eu posso adotar em substituição de estranho, caso você já tenha sofrido pistachefobia. 

Na verdade, tem uma série de coisas que eu não entendo, coisas que são tipo sorvete de céu azul, porque eu não faço a menor ideia do que exatamente é isso, sorvete de tutti-frutti, porque ele promete entregar um mix de frutas e no final não entrega fruta nenhuma, sorvete de pistache, porque ele é exótico, e o amor. Eu sempre me pergunto se as pessoas sabem o que é o amor, porque pra mim, essa seria a resposta da minha vida. Na verdade o meu sonho é que todos os sentimentos fossem fáceis de entender, como um cardápio de sorveteria – você pensa em experimentar algo novo, cogita algum sabor exótico e no final pede o de sempre, provavelmente morango, creme, chocolate ou flocos.  

Mas a verdade é que os sentimentos são muito mais complexos do que qualquer cardápio, de qualquer lugar por aí. O que me intriga e me instiga a gostar do amor é que ele é um sentimento muito curioso. Desde pequenos somos ensinados a amar, todo mundo aprende que o amor é bom. Inicialmente nós amamos a família, depois amamos pessoas que vivem próximas de nós, como amigos, aí você cresce um pouco e diz que ama romanticamente alguma menina, para afirmar uma heteronormatividade que não existe, e depois você descobre que, de acordo com a literatura, o amor romântico nem é bom. Mas como eu vou saber que eu amo uma pessoa que eu conheci? Como eu vou saber que eu amo um menino que até dois meses atrás era um estranho? 

Certamente alguém vai pensar que tá muito cedo para amar alguém que eu conheço a menos de dois meses. Porque, aparentemente, o tempo é algo importantíssimo para se medir o amor. Primeiro você tem que esperar a paixão passar, e ela vai durar de três a cinco meses, você vai saber que a paixão passou quando começar a notar coisas na pessoa, que antes você não reparava, ou passar a se irritar mais facilmente, depois o amor começa a aparecer, isso segundo algumas pessoas. Tem gente que diz que “o amor é a paixão inserida na rotina” ou algo assim, mas eu sempre penso que, talvez, essas pessoas também não saibam o que é o amor, talvez elas não tenham se casado com o amor das suas vidas e simplesmente inventaram essas explicações ruins, para justificar o que estavam vivendo. 

Acho que outra coisa que ajuda a explicar o amor são as gerações. Como cada geração de pessoas está inserida em um contexto social diferente, elas demonstram afeto de diferentes formas, e isso certamente influencia no amor. Agora, as pessoas estão classificando também o nível de emoção. Como se já não bastasse ter que se preocupar em saber se você está apaixonado, depois se você ama alguém, aparentemente, você também tem que ficar atento para saber se você é emocionado demais, ou se está indo no tempo certo, aqui, o tempo aparece novamente como fator fundamental. E obviamente eu só fico muito irritado com essa escala de ser emocionado porque eu estou bem perto do topo dela. 

Mesmo que o amor não seja de comer, antes fosse, ele tem um sabor estranho. Às vezes, ficar pensando nessas questões deixa um amargo na boca, outras vezes parece que estamos comendo um algodão doce, mas sempre, sempre é exótico, como sorvete de pistache. Eu amo fazer qualquer coisa com ele, amo a sua presença, conversar, conhecer lugares novos, amo que ele diga que só assiste filmes no idioma original e assista meu filme favorito dublado comigo, eu amo saber as histórias da vida dele, amo o sorriso dele, a risada, a maneira como ele fala com as pessoas e se comporta nos ambientes, amo perturbar ele e amo que ele me perturbe também, amo a sensação de olhar o celular e ver que ele me mandou uma mensagem, amo falar sobre o futuro com ele e amo ver que ele já estava olhando para mim quando eu o olho. Mesmo amando tudo isso, eu acho que eu ainda não o amo, e é isso que me intriga, como posso não saber o que é o amor? 

Talvez o amor não seja um sentimento e sim uma sensação, talvez eu tenha amado muito ele essa semana, e talvez, o universo que não me leia, esse amor já não faça sentido na semana que vem. Talvez, estivessem nos falando a verdade o tempo todo e nós, ingenuamente, estávamos interpretando o amor de forma errada, pensando que ele tinha que ter uma relação com o tempo, com a eternidade, enquanto, talvez, o amor esteja intrinsecamente ligado aos pequenos momentos. Talvez os casais não se amem todos os dias mesmo, mas vivam juntos porque sentem que os momentos de amor valem por todos os outros. Pensando assim, certamente o amor se parece ainda mais com um sorvete de pistache, os dois são momentâneos, os dois não se encontram tão fácil, e os dois são exóticos. Diferente do sorvete de Tutti-Frutti, que promete tudo e não entrega nada.

Para contemplar o título desse texto, aqui vai uma lista de coisas que tem um sabor estranho: cerveja, amendoim na comida, açaí com jujuba, beijar alguém que acabou de fumar, balas azedas, pimenta, sorvete de pistache e amar você, de acordo com o conceito de momentaneidade. Hoje, eu te amo!

Foto de capa: Pexels

Crônica de Gabriel Ribeiro, com edição de texto de João Agner.

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4 comentários em “Sorvete de pistache, amor e outros sabores estranhos

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