Comportamento Crônica

Se acaso lhe faltar fé, faça uma oração a Pai Oxalá

Nesta crônica a repórter Mariana retrata anseios e experiências com a sua busca pela fé

Por Mariana Motta

Pesquisando rapidamente na internet o significado de fé, encontrei a seguinte frase: “Crença intensa na existência de algo: fé em Deus”. Confesso que fiquei alguns bons minutos parada, olhando para a tela do celular, me questionando se em algum momento consegui sentir essa fé que tanto falam. Por muitas vezes, acredito que não, mas por muitas outras vezes, tenho certeza que sim. No âmago dessas reflexões, uma pergunta predominou todos os meus pensamentos. Se realmente tive fé, em que momento ela se perdeu pelo caminho?

Iniciei uma busca interna, voltando a todos os acontecimentos da minha vida, negativos e positivos, esperando encontrar a resposta que procurava. Voltei aos meus 13 anos.

“Você precisa voltar para a Igreja, isso é falta de Deus”. Foi a frase de consolo que escutei quando tentei, mesmo que em vão, assumir minha sexualidade. Nessa época, talvez por ser muito nova, não sabia explicar como me sentia, sempre soube que não era apenas uma fase, mas não conseguia enfrentar cara a cara o preconceito. Então, mesmo sabendo do absurdo que estava ouvindo, parte de mim realmente acreditou que Ele me ajudaria a “voltar ao eixo”.

Por muito anos, antes de dormir, suplicava a Deus para que esse inferno pelo qual estava passando dentro de casa, e, consequentemente, dentro da minha cabeça, cessasse. Naquele tempo, ainda não compreendia plenamente a importância da fé, da convicção intensa da existência de algo, e a dúvida começou a se fazer presente. Como poderia tal Deus, tão maior que tudo e todos, me assistir sofrendo dessa maneira e não me ajudar a mudar?

A questão é que eu não precisava mudar, não havia nada de errado comigo, eles que precisavam aceitar, ou melhor, respeitar quem eu sou. Quando finalmente consegui ter essa percepção, voltei a viver sem dor, me abrindo somente para aqueles que sabia que me aceitariam. Tracei um caminho lindo e acolhedor ao lado de pessoas que me amam pelo que eu sou, mas deixei de trazer comigo a crença na fé. E foi nesse momento que eu entendi, ela não se perdeu de mim, eu que a abandonei.

Depois dessa jornada introspectiva, me permiti buscar por alguma religião novamente e aceitei o convite para ir a um centro de umbanda. Embora ainda não tenha encontrado as palavras certas para me expressar quanto a experiência, posso afirmar que me senti em casa. 

Durante a minha visita, um amigo me explicou o que mais gostava na umbanda: ninguém precisava ser perfeito ali. Fiquei em silêncio com a sua fala, de certo modo, ele tinha razão. Não diria que é totalmente a falta da perfeição, e sim a capacidade enorme de acolhimento. Todos são muito bem-vindos, independente do que fizeram ou do que são. Acredito que tenha sido esse sentimento que me confortou, estar em um lugar que não seria julgada e que finalmente poderia ser todas as versões de mim. 

Hoje, com 20 anos e certamente muito mais madura que a Mariana de 13, entendi o significado de fé, ali mesmo, naquele terreiro. Mesmo com os ataques e preconceitos sofridos, os umbandistas não desistem, muito menos questionam sua fé. Enquanto eu, ao invés de ter feito dela minha aliada, desprezei seu pedido de perseverança.

Fui pega de surpresa ao saber que, logo naquele dia, teria o batismo de duas pessoas que escolheram seguir o caminho da umbanda. Sendo ironia do destino ou não, agradeci a Oxalá pela oportunidade de testemunhar essas duas pessoas que estavam dispostas a enfrentar todas as dificuldades, simplesmente porque acreditam de forma tão pura e tão intensa na religião.

Talvez em algum momento, possa vir a ser eu, ou não. Confesso que ainda me sinto um pouco confusa quanto a isso, mas essa questão não é o ponto central. Acredito que independente do caminho que eu escolher seguir, hoje sei que posso resgatar a minha fé. Aprendi que ela, em essência, é sinônimo de amor, esperança e resiliência. 

Crônica de Mariana Motta, com edição de João Agner.

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