Nesta última quinta-feira (21), a terceira edição do Congresso Luso-Brasileiro da UFF promoveu uma mesa temática sobre as contribuições de Paulo Freire para o rádio, destacando seu papel na educação a distância e na divulgação científica. Mediado pelo professor Antonio Amaral Serra, o encontro reuniu a professora, escritora e artista plástica Marlene Blois, a professora e jornalista Erika Franziska, e o professor Marcelo Kischinhevsky, diretor do Núcleo de Rádio e TV da UFRJ. A mesa propôs uma reflexão sobre o potencial das mídias sonoras, como rádio e podcasts, na construção de uma comunicação científica acessível, crítica e transformadora.
Inspirada nos princípios pedagógicos de Freire, a discussão destacou o diálogo e a ética comunicacional como bases para uma divulgação científica inclusiva e engajada.
Kischinhevsky abriu contextualizando a criação da Rádio Sociedade, hoje Rádio MEC, por Roquette Pinto e outros intelectuais, destinada a difundir cultura, ciência e educação. Ele apresentou Paulo Freire como um dos maiores pensadores da educação, por revolucionar o ensino ao defender a horizontalidade na relação entre aluno e professor.
“Por que falar de rádio hoje? Quando se fala na era de ouro do rádio, parece que nada aconteceu depois dos anos 50. Mas o rádio continua evoluindo até hoje, sendo um meio extremamente popular. Estamos falando de uma mídia ouvida por oito em cada dez brasileiros e, desses ouvintes, dois terços escutam rádio todos os dias, em média por quatro horas. O Rio de Janeiro tem a maior audiência do país”, contou Marcelo.
O professor ressaltou que o rádio se mantém vivo por saber se adaptar às novas tecnologias, como podcasts e plataformas digitais, além de ser acessível em diferentes suportes, do carro ao celular, da TV às rádios a pilha. “O suporte não importa, e sim o meio”, destacou.

(Foto: Camila Teixeira/Agência UVA)
Kischinhevsky lembrou que Freire foi um entusiasta do rádio, participando da fundação da Rádio Universidade do Recife (RUR), hoje chamada Rádio Paulo Freire, que segue ativa e abriga programas como “Fora da Curva”, inspiração para a Rádio UFRJ.
Nos primeiros anos de sua trajetória acadêmica, Freire usou o projeto como espaço de experimentação e reflexão sobre educação e a força da oralidade popular. No Brasil rural e majoritariamente analfabeto da época, o rádio era essencial: Roquette Pinto, por exemplo, lia jornais no ar para levar informação a quem não tinha acesso à leitura ou condições financeiras para comprar jornais.
O professor destacou que o golpe militar de 1964, descrito pela imprensa como “uma tentativa de descomunizar a universidade”, levou à prisão de Freire, período em que produziu grande parte de sua obra. O regime também desmontou milhares de rádios-escolas, convertendo-as em emissoras comerciais.
Ele encerrou ressaltando que “as lutas vão mudando de forma” e chamou atenção para o crescimento dos podcasts de divulgação científica. Embora não estejam entre os mais ouvidos, as produções do gênero cresceram cerca de 36% em 2023, segundo dados do Spotify.
Em seguida, a palavra foi passada a Marlene Blois, que compartilhou sua trajetória ao lado do filósofo da educação. Com mais de 30 anos de experiência no rádio, ela relembrou sua atuação no programa “Educação em Debate” e as dificuldades de produzi-lo em meio à censura militar.

“Fui feliz porque a rádio que amo, a rádio que adoro, continua em mim e está aqui de certa forma”, disse, apontando para o livro.
(Foto: Camila Teixeira/Agência UVA)
Após o fim da ditadura, ao saber do retorno de Freire ao Brasil, ela decidiu entrevistá-lo. Sem apoio financeiro, conseguiu uma passagem para São Paulo, onde buscou contatos na USP para localizá-lo e marcar a gravação. O encontro rendeu uma entrevista de 30 minutos na casa do educador.
De volta ao Rio, apresentou à Rádio MEC a proposta de uma série exclusiva com Paulo Freire. Com a aprovação, iniciou as gravações de “Encontros com Paulo Freire”. Ao longo de dois anos, foram produzidos 15 episódios sem roteiro fixo, apenas conversas nas quais o educador falava livremente sobre sua proposta pedagógica e também sobre temas pessoais, como família, amor, religião, infância e amizades.
“Professor Paulo, eu acho que falam muita coisa sobre o que o senhor disse, sobre o que o senhor viveu. O que o senhor acha de fazermos uma série radiofônica com o senhor? O senhor topa?” “Se os homens”, disse ele, “autorizarem, então tudo bem”, relembrou Marlene.

(Foto: Camila Teixeira/Agência UVA)
Ela destacou que o objetivo era aproximar Freire do público em geral, já que seu reconhecimento acadêmico era indiscutível. No rádio, ele falava de forma direta, enquanto, como literato, explorava nuances mais complexas, o que tornava sua leitura profunda. Também ressaltou sua defesa do rádio educativo e a oposição à sua comercialização.
Atendendo a um pedido de Freire, Marlene entrevistou amigos como Fernando Henrique Cardoso, então senador, Paulo de Tarso, ex-ministro da Educação, e Moacir Gadotti, parceiro em projetos de alfabetização.
A professora Erika comentou sobre o programa “E por Falar em Ciência”, experiência pioneira de jornalismo científico no rádio, conduzida por professores e alunos com apoio da Rádio MEC e da FAPERJ.
Durante cinco anos, estudantes bolsistas participaram da produção, pesquisa e edição, aprendendo a transformar conteúdos complexos em narrativas acessíveis. A iniciativa reforçou o uso criterioso da palavra e de recursos sonoros para aproximar a ciência do público.
O projeto também evidenciou desafios históricos da comunicação educativa no Brasil, como a disputa por frequências de rádio para fins educativos frente à pressão comercial, e contribuiu para formar futuros profissionais da comunicação científica.
Ao final, os palestrantes receberam medalhas e palmas do público.

(Foto: Camila Teixeira/Agência UVA)
Foto de capa: Camila Teixeira/Agência UVA
Reportagem de Camila Teixeira, com edição de João Gabriel Lopes
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