Cidade Política

O (des)caso acerca dos imóveis abandonados no centro do Rio de Janeiro

Prefeitura do Rio identificou 259 imóveis em estado de abandono apenas nesta região da cidade

No Centro do Rio de Janeiro, a história tem desabado — literalmente. Entre fachadas que se esfarelam e estruturas comprometidas, casarões centenários enfrentam o abandono silencioso e o descaso do poder público. A cada novo episódio de desabamento ou incêndio, como os que atingiram construções na Rua do Livramento e na Rua Senador Pompeu entre março e abril deste ano, a cidade se vê diante de uma tragédia anunciada e reincidente.

A situação se tornou tão alarmante que moradores da região ainda vivem em constante estado de alerta. Ao redor dos casarões incendiados e desabados, prejuízos materiais se acumulam e o sentimento de insegurança se espalha. Comerciantes da região contabilizam perdas superiores a R$ 50 mil em alguns casos, que operaram seus negócios por dias com a assistência de geradores ou com o uso de velas. Carlos Alberto, 62 anos, morador de um desses edifícios em estado de abandono há mais de 15 anos, lamenta a inércia do poder público:

“Eles esperam uma tragédia acontecer para só então tomar alguma providência. Isso quando tomam”, desabafa o aposentado, recordando de um imóvel vizinho com madeiras soltas e risco iminente de queda.

“Os bares, a barbearia, a peixaria… todos tiveram muito prejuízo. Teve gente com a energia cortada durante dias”, comenta Carlos, sobre os impactos econômicos para os pequenos negócios locais.

Quando a tragédia encontra o descaso

A arquiteta Roberta Mendes, integrante da Comissão de Assuntos Urbanos da Câmara Municipal do Rio e assessora de Políticas Públicas do vereador Pedro Duarte (NOVO-RJ), explica que o problema vai muito além do visível. Muitas vezes, segundo ela, os proprietários aguardam o desabamento para vender o terreno, pois não tem mais condições de manter o imóvel em pé.

“A combinação entre burocracia sufocante, espólios mal resolvidos, ausência de fiscalização e falta de incentivos econômicos reais paralisa qualquer chance de revitalização”, aponta a especialista.

Apenas na região do Reviver Centro, Reviver Cultural e Porto Maravilha, a Prefeitura do Rio identificou recentemente 259 imóveis em aparente estado de abandono. Os dados foram apresentados em audiência pública da Comissão, presidida pelo vereador Pedro Duarte, e repassados à Defesa Civil, responsável por realizar vistorias nos imóveis e notificar os donos. Apesar dos riscos, boa parte desses edifícios ainda abriga comércios ou moradores, por vezes de forma irregular.

“A ausência de uma política habitacional que incorpore incentivos reais à moradia no centro da cidade alimenta esse ciclo de decadência”, observa Roberta.

Programas de papel e promessas em construção

Na tentativa de reverter esse cenário, a Prefeitura lançou o programa Reviver Centro Patrimônio – Pró-APAC Cultural, voltado à reabilitação de imóveis na região em áreas protegidas por Áreas de Preservação do Ambiente Cultural (APACs). A proposta inclui uso misto — residencial, comercial e cultural — com concessão de imóveis a investidores privados via leilão judicial, após desapropriação e subsídios para reforma. A ideia, no papel, é viável. Mas Roberta diz que é importante ter cautela nessa situação.

“O que não falta no Rio são planos bonitos que não saem do papel. O desafio é garantir agilidade no licenciamento, segurança jurídica ao investidor e fiscalização efetiva”, alerta a arquiteta.

A Comissão de Assuntos Urbanos também avançou com projetos de lei que visam desburocratizar e incentivar o reaproveitamento desses imóveis. Entre eles, o PL Complementar nº 23/2025, que autoriza obras emergenciais e até desapropriação em caso de abandono, cobrando os custos dos proprietários posteriormente.

Entre o tombamento e o esquecimento

Os casarões tombados, em especial, enfrentam um paradoxo. São protegidos por lei, mas sem suporte efetivo para conservação. A burocracia e a lentidão de pareceres técnicos de órgãos como o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e o Instituto Rio Patrimônio da Humanidade (IRPH), tornam qualquer tentativa de restauração um verdadeiro labirinto jurídico.

Enquanto isso, a paisagem do Centro histórico vai se convertendo em cenário de escombros. A cidade coleciona marquises instáveis, estruturas condenadas e uma arquitetura sufocada pelo descaso. A pressão da sociedade civil, da mídia e de especialistas tem surtido algum efeito. Mas a urgência não permite mais adiamentos.

“A boa política não espera a tragédia; antecipa e previne. O tempo do improviso já acabou”, afirma Roberta.

Se não houver uma articulação sólida e contínua entre poder público, iniciativa privada e sociedade, o Rio continuará perdendo, tijolo por tijolo, a memória de seu passado — e a possibilidade de um futuro mais digno para quem vive em seu coração urbano.

Foto de capa: Raphael Lopes/Agência UVA

Reportagem de Raphael Lopes, com edição de texto de Gabriel Ribeiro e Karla Maia

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2 comentários em “O (des)caso acerca dos imóveis abandonados no centro do Rio de Janeiro

  1. Avatar de elisabetegl
    elisabetegl

    Excelente!

  2. Pingback: Câmara do Rio aprova intervenção da Prefeitura em imóveis abandonados | Agência UVA

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