Política

Parada do Orgulho LGBT+ propõe resgate de símbolos nacionais

Movimento ganhou força após o show de Madonna

No dia 4 de maio as areias da praia de Copacabana foram tomadas por uma multidão de 1,6 milhões de pessoas, segundo a Riotur. Todos estavam lá para ver a rainha do pop ao vivo. O show, que encerrou a turnê “The Celebration Tour”, foi marcado por apresentações originais do espetáculo e também por momentos pensados especialmente para o público brasileiro, como a performance de Pabllo Vittar, que estampou o palco com as cores e a bandeira do Brasil. Os dias seguintes foram marcados por dois movimentos: enquanto conservadores criticaram Madonna, outras partes da sociedade aproveitaram para propor o resgate dos símbolos do país. 

Apenas dois dias após o show, o perfil oficial da Parada do Orgulho LGBT+ de São Paulo, a maior parada do mundo, convocou a população a comparecer na 28º edição do evento vestida de verde e amarelo. Em um trecho do chamamento, postado nas redes sociais, eles afirmam “A bandeira verde-amarela havia sido apropriada pela ala mais retrógrada da sociedade, aquela que utiliza o amor à pátria como um disfarce para propagar o ódio…”. 

O texto faz referência aos movimentos conservadores de extrema-direita, do qual o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) é uma das figuras de liderança. Com a ascensão desse grupo, em especial dos bolsonaristas, símbolos nacionais que representavam toda a população passaram a ser vistos como referência a um alinhamento ideológico específico. Pessoas que não queriam ser associadas ao movimento começaram a deixar de usar blusas da seleção brasileira, por exemplo, que se transformaram no uniforme oficial dos chamados “cidadãos de bem”. 

Christian Gonzatti, doutor em comunicação e professor universitário, explica que os símbolos são uma forma importante para se criar identificação com a sociedade e se comunicar. O professor aponta que diversos movimentos criam seus próprios símbolos, como é o caso da bandeira do arco-íris, relacionada a comunidade LGBTQIAPN+, a foice e o martelo, que representam o comunismo e até mesmo o tucano do partido PSDB. Mas alerta, que a apropriação indevida de emblemas nacionais é um problema, já que esses não devem representar apenas um grupo de pessoas. 

“Quando um partido, por exemplo, se apropria de símbolos da nação para transformar estes em uma identidade política, isso é um problema. Segundo Umberto Eco, na obra “O fascismo eterno”, esse é, inclusive, um dos ingredientes do neo-fascismo. Movimentos que seguem reverberando lógicas do fascismo, costumam se apropriar dos símbolos nacionais”, afirma Christian. 

A atual bandeira do Brasil foi implementada após a proclamação da república, em 1889. Seu famoso modelo recebeu influências diretas de ideais europeus e a frase “Ordem e Progresso” foi inspirada pela filosofia positivista. Segundo Christian, a “ordem” está muito ligada a um ideal de família tradicional europeia e cristã, que era muito diferente do que existia no Brasil. E por traz do “progresso”, está a imposição da branquitude, como um valor que deveria ser alcançado para se progredir. 

A bandeira foi criada por Raimundo Teixeira Mendes. (Foto: Pexels)

“Esses símbolos foram construídos a partir de uma ideia que a Europa tinha do Brasil, um ideal de colonização e violência. Mesmo com essas questões, existiu um momento em que a população conseguiu se desvencilhar disso e se identificar com a bandeira. Mas o bolsonarismo começa a usar esses elementos para levantar a ideia de que ser brasileiro é ser patriota, e ser patriota é igual a ser bolsonarista. Uma ideia muito violenta, porque tenta homogeneizar a política de uma nação”, completa o professor. 

A associação desses símbolos ao movimento bolsonarista começou em 2013, quando uma onda de protestos relacionados ao aumento das tarifas das passagens de transportes públicos dominou o país. Inicialmente não existia uma predominância grande do verde e amarelo, que passaram a se multiplicar pelas movimentações, quando as mesmas ganharam um caráter de crítica à corrupção e ao governo, gerido na época por Dilma Rousseff. 

Em 2016, apenas três anos após o início das manifestações, aconteceu o impeachment de Dilma. Nesse momento, está ainda mais clara a ideia de que quem não apoia o governo, apoia o Brasil, e por consequência, seus símbolos. É durante a votação do impeachment na Câmara, que o discurso do então Deputado Federal Jair Bolsonaro chama a atenção. Além de fazer referências à ditadura militar, Bolsonaro usou a frase que norteou sua campanha presidencial em 2018: “Brasil acima de tudo, Deus acima de todos.”

Manifestação favorável a Bolsonaro no dia 21/04/2024, em Copacabana.
(Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil)

Bolsonaro, que tem uma formação militar e uma proximidade com os símbolos do país, passou a se associar cada vez mais a eles. O bolsonarismo trabalhou a ideia de aversão a cor vermelha, fortemente associada ao partido dos trabalhadores (PT), com a frase “nossa bandeira jamais será vermelha”, frequentemente usada em campanhas do ex -presidente. Em um cenário político polarizado, pessoas que não se identificavam com esse movimento, passaram então a se afastar dos ícones nacionais para não terem seus posicionamentos políticos confundidos. 

“A apropriação dos símbolos nacionais já aconteceu outras vezes, Collor já tinha feito isso, e mesmo assim, a população conseguiu se desvencilhar dessa ideia depois. E é aí que eu acho importante que outros movimentos também usem a bandeira do Brasil, a esquerda tem que usar nos seus protestos, é nessa lógica que se insere ruído na comunicação bolsonarista, que tenta associar um símbolo de todos a eles”, analisa Christian.  

Foi pensando na tentativa de rediscutir as cores verde e amarelo e os símbolos nacionais, que André Fischer, diretor de comunicação da Parada do Orgulho LGBT+ de São Paulo, propôs que o evento convocasse o público para vestir a camisa do Brasil. Ele destaca que é muito importante ter a comunidade LGBTQIAPN+, um dos grupos mais atacados pela extrema-direita, pegando os ícones do país de volta, para que todo mundo possa usar. 

“Eu saí do show da Madonna impactado com aquele momento do espetáculo. Ver a blusa e a bandeira sendo usados naquele contexto me deu uma sensação estranha, porque nos últimos tempos só temos visto estes símbolos sendo usados por um grupo específico. Quando eu cheguei em casa, vários amigos estavam me falando que precisávamos usar o momento da parada para fazer esse resgate”, conta o diretor. 

Christian Gonzatti reforça a importância dessas movimentações, mesmo que elas não consigam resgatar os símbolos de uma única vez. O professor explica que o fato de outros movimentos voltarem a usar blusas e bandeiras do país, causa uma modificação na lógica de comunicação bolsonarista, já que, com o tempo, a associação entre elementos do Brasil e movimentos de extrema-direita, já não será mais óbvia.  

“Na semiótica da cultura, Yuri Lotman vai trazer uma ideia de que na comunicação, aquilo que gera inovação e pode transformar o processo comunicativo é o ruído. Nos processos tradicionais de comunicação, o ruído é algo que deve ser evitado, mas na semiótica da cultura, é o ruído que gera transformação. Ter a bandeira do Brasil inserida em contextos como a parada do orgulho, com certeza insere ruído nessas lógicas”, explica o professor. 

A proposta de resgatar os símbolos nacionais se junta com o tema da parada deste ano, que é “Basta de Negligência e Retrocesso no Legislativo: Vote consciente por direitos da população LGBT+”. A temática lembra que pessoas LGBTI+ também são cidadãs e precisam de atenção dos poderes legislativos para terem leis e direitos garantidos. A campanha visa chamar a atenção de todas as casas legislativas, em especial o congresso nacional. 

“É uma lembrança de que nós também estamos falando em nome do país e de direitos que afetam a todo mundo. Então o verde e amarelo na paulista, junto com as cores do arco-íris, vai ser um recado muito direto”, afirma André. 

Cristian e André concordam que a partir dessa retomada as pessoas que haviam se afastado desses símbolos, podem voltar a utilizá-los, na medida em que, com o tempo, a associação que se construiu entre ícones nacionais e o bolsonarismo vá perdendo força. O diretor de comunicação da parada também conta que até amigos cis-hétero estão se juntando ao evento para somar forças ao movimento, e que muitas pessoas que já não tinham mais blusas do Brasil, estão comprando novas. 

“Ninguém pode dizer que a bandeira do Brasil é de um determinado grupo, são elementos que fazem parte da identidade do nosso país. Então não pode existir essa ideia de que os que se apropriaram desses símbolos são mais brasileiros que os demais. Com a parada e esse resgate, essas pessoas vão ter que pensar novos símbolos. Se a gente conseguir misturar o verde e o amarelo com as cores do arco-íris, vai ser uma mensagem bonita”, concluiu André. 

A 28º edição da Parada do Orgulho LGBT+ de São Paulo acontece no dia 02 de junho na Avenida Paulista. 16 trios elétricos vão movimentar a festa , que conta com nomes como Pabllo Vittar e Glória Groove. Diversas pessoas estão se preparando para usarem as cores verde e amarelo durante o evento, para lembrar que os símbolos nacionais devem pertencer e representar toda a população brasileira. 

Foto de Capa: Joédson Alves/Agência Brasil

Reportagem de Gabriel Ribeiro

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