Esporte Saúde

Do céu ao Inferno, como a saúde mental importa na vida de um atleta

O tópico é parte integral para o sucesso de um atleta de alto rendimento

No universo altamente competitivo do esporte, no qual talento e conquistas são aclamados desde os primeiros passos, uma linha tênue separa o sucesso do fracasso. A avaliação de um atleta vai muito além de seu comportamento dentro de campos e quadras: estende-se ao seu comportamento fora dos holofotes e do ambiente trabalho. Recentemente, dois casos chocaram o mundo esportivo e provocaram reflexões sobre o comportamento e equilíbrio emocional. O jogador do Manchester United e da Seleção Brasileira, Antony, de 24 anos, foi acusado de agressão por sua ex-namorada Gabriela Cavallin, de 23 anos. Paralelamente, o astro da NBA, Ja Morant, de 24 anos, foi suspenso após uso indevido de armas de fogo nas suas redes sociais e em ambiente de trabalho, ferindo as regras de comportamento da liga.

O cuidado com a saúde mental é necessário em qualquer ambiente de trabalho e muitas pessoas já buscam uma ajuda psicológica para lidar com os desafios e os problemas da vida. No meio do esporte, em especial no futebol essa aceitação por parte de grandes lideranças como dirigentes, técnicos e grandes figuras do elenco ainda é vista como fragilidade e inaptidão para decisões no campo de jogo. Um erro cometido por grandes equipes do futebol brasileiro como Corinthians, Flamengo, Vasco e tantas outras.

Em contrapartida, há casos positivos, como o elenco do Fluminense, que conta com auxílio da psicóloga Emilly Gonçalves desde 2007. Formada pela Universidade Veiga de Almeida desde 2009, ela chegou ao elenco profissional em 2018 e atua no meio do futebol. Após o título da Libertadores, os jogadores comemoraram junto com a psicóloga a grande conquista, em especial o atleta John Arias, que proferiu palavras de gratidão e reconhecimento para a psicóloga.

“Obrigado por tudo! Você me fez o que eu sou hoje”, disse Arias após o título da Libertadores.

A cena repercutiu bastante após a final da Libertadores em novembro de 2023.

No campo da psicologia, diversos estudos são realizados para compreender a mente de um jogador de alto rendimento. A saúde mental de um atleta é investigada em momentos cruciais de sua carreira, como em conquistas de títulos, mas também em derrotas e frustações, como gols perdidos e fases ruins. O estudante de Psicologia, Guilherme Rente Rodrigues, de 23 anos, teve o seu TCC recém aprovado sobre o estudo da Psicologia no Esporte. Ao lado de Victor Gomes, de 23 anos, a dupla mergulhou a fundo na busca por compreender determinados comportamentos e situações, como a pressão por resultados, frustações, vitórias e o extracampo, já citado nos casos de Antony e Ja Morant.

Em seu estudo, Guilherme fez a ligação entre a psicologia Junguiana de Carl Gustav Jung, na qual ele baseia seus estudos na ligação entre mundo externo e interno, buscando o equilíbrio. Jung também cita os arquétipos, e no mundo atual, teorias afirmam que jogadores de futebol têm ligações com arquétipos do divino, se sentindo superiores aos demais seres humanos e não tendo o mesmo julgamento moral que um ser humano tem antes de tomar determinadas atitudes.

“O investimento financeiro é reconhecer que a ciência e o esporte devem caminhar juntos”, alerta o estudante sobre o baixo investimento dos grandes clubes do Brasil no trabalho do psicólogo.

Guilherme e Victor defenderam o seu TCC em novembro de 2023.

Por outro lado, o psicólogo e professor, Ulisses Heckmaier Cataldo, de 40 anos, vê com olhos céticos a repercussão positiva da fala do atleta John Arias sobre a psicóloga Emilly Gonçalves.

“Creio que não mude muito o panorama atual. Os clubes trabalham diretamente no menor investimento possível, como manda a lógica do capital” afirma Ulisses.

O profissional da área ainda vê o preconceito com a psicologia de forma muito evidente no meio esportivo, em especial no futebol. Entretanto, ele também alerta que, para que a psicologia tenha mais credibilidade, precisa ter mais resultados comprovados.

Faltam aos clubes um olhar menos preconceituoso e um planejamento. Da parte da psicologia esportiva, falta maior investimento na comprovação de seus resultados, o que geraria maior valorização e respeito” acrescenta o psicólogo.

Na questão ética e moral da sociedade, o atleta é visto como exemplo para jovens e crianças, modelando o pensamento e o caráter de muitos que sonham em ser como eles. Gerações cresceram sonhando em ser um jogador como Zico, Romário, Ronaldo, Ronaldinho, Kaká e, mais recentemente, Neymar. O comportamento e o exemplo que atletas como eles passam não afetam somente eles, mas sim, todo o Brasil com mais de 200 milhões de pessoas além de indivíduos em outros países.

Robinho, por exemplo, foi o ídolo de muitas crianças no início da década de 2000. O “rei das pedaladas”, como era conhecido, fez sucesso no Brasil e mundo afora. Neymar, por exemplo, assumidamente idolatra o ex-jogador desde o início de sua carreira. Em uma noite, porém, Robinho jogou fora sua idolatria e o carinho que recebia. Julgado e condenado por estupro coletivo em uma boate na Itália em 2013, ele foi um péssimo exemplo, manchando sua trajetória no mundo da bola e sua reputação em razão do crime pelo qual cometeu. 

Chega-se à conclusão de que o meio do futebol se encontra preso em paradigmas e dogmas de décadas passadas. Além de extremamente machista e preconceituoso, não se moderniza na questão da saúde mental. Há verba para as construções de estádios milionários e contratações badaladas, além do pagamento de milhões de reais por mês a técnicos e dirigentes. No entanto, o acompanhamento mental é totalmente esquecido e negligenciado.

Foi o caso do atleta do Tottenham e da Seleção Brasileira, Richarlison, 26 anos, que enfrentou um quadro grave de depressão após a Copa do Mundo de 2022. Apesar de ter feito três gols no torneio, isso não foi o suficiente para fugir das críticas após a eliminação do Brasil. O atacante enfrentou meses difíceis no seu clube e até chegou a questionar se sua vida era importante. Após o fim da temporada de 2023, ele começou o tratamento com uma psicóloga e colhe os frutos dessa decisão, visto que revelou a dificuldade pela qual passou e como tem evoluído. Além disso, voltou a marcar gols pelo seu clube e conseguiu um retorno a Seleção Brasileira após ter ficado de fora em duas convocações.

As recentes declarações de Richarlison sobre o assunto têm tido grande repercussão.

A psicologia e o esporte devem caminhar juntos. É notório que, apesar de tão pouco buscados, os resultados são mais positivos que negativos. Não é uma mudança da noite para o dia e quiçá alcançará todas as esferas do esporte, mas é primordial a busca pela ajuda da saúde mental e o acompanhamento desde a base, moldando caráter e separando o humano do profissional de alto rendimento. A principal mudança é entender que jogadores não são máquinas e sim seres humanos.

Foto de capa: Reprodução/X

Reportagem de João Gabriel Lopes, com edição de texto de Gustavo Pinheiro

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