No dia 27 de setembro é celebrado uma das festas religiosas mais populares do Brasil, o dia de São Cosme e São Damião. A data se transformou em uma mistura brasileira, sendo comemorada tanto por católicos quanto por religiosos de matrizes africanas, como Umbanda e Candomblé. Luiz Antônio Simas, professor, escritor e compositor, comenta sobre o dia das festas; “Esse apelo do imaginário infantil repercute grandiosamente por serem vinculados à brincadeira, ao infantil”.
A prática de distribuir doces é uma tradição geracional que pode ocorrer como um agradecimento por pedidos que os santos conceberam ou como pagamento de promessas. “Em tempos em que as coletividades são atacadas pela excessiva individualização, a festa de São Cosme e Damião se destaca pelo seu sentido coletivo da vida”, afirma Antônio Simas. O escritor acredita que a popularidade dos santos se deve, em grande parte, ao fato de estarem associados, no imaginário, à saúde das crianças.
“A festa de Cosme e Damião é, sobretudo, centrada na coletividade”, conta o professor.

São Cosme e São Damião no catolicismo
Para a Igreja Católica, o Dia de São Cosme e São Damião era incialmente celebrado dia 27 de setembro. No entanto, em 1969, após a reforma do Calendário Romano, a comemoração foi antecipada para o dia 26. Apesar da mudança, muitos devotos dos santos continuam celebrando no dia 27, contrários a decisão do Papa Paulo VI. No catolicismo, os santos viveram e morreram na Ásia Menor, por volta dos anos 300 d.C. Eles teriam sido médicos e atendiam a população sem cobrar nada, e, por serem cristãos, convertiam muitos pacientes. Devido aos milagres que realizavam, foram condenados à morte por bruxaria.
São Cosme e São Damião na Umbanda
Nas religiões de matrizes africanas, a devoção aos santos está relacionada ao período da escravatura no Brasil. Foi nessa época que começou o sincretismo religioso, uma mistura de duas religiões, envolvendo São Cosme e São Damião. Durante a escravidão, os africanos não podiam praticar suas religiões e eram obrigados a se converterem ao cristianismo. A estratégia encontrada foi utilizar imagens dos santos católicos para representar entidades do Candomblé e da Umbanda, permitindo-lhes praticar suas religiões sem serem punidos. Os chamados Ibejis ou Erês eram cultuados como São Cosme e São Damião, uma vez que também são divindades infantis.
Quem é Doum?
Uma das principais diferenças na representação de São Cosme e São Damião na Umbanda é a presença de uma criança vestida de maneira idêntica aos gêmeos, entre eles. Essa criança, chamada Doum, é considerada o protetor das crianças de até sete anos de idade. A história de como o caçula surgiu na narrativa dos irmãos é cercada de diferentes versões. Uma delas afirma que, para cada dois gêmeos que nascem, um terceiro não é concebido e vive apenas no plano espiritual. Doum, então, seria “aquele que não veio”.
Outra narrativa é a de que, na crença Iorubá, toda mãe de gêmeos precisaria ter outro filho, para o bem de sua sanidade mental. O terceiro filho é chamado de “Idowu”, o que estudiosos da religião sugerem fazer referência à “Owú” (ciúmes). Portanto, dentro dessa perspectiva, Doum seria o filho caçula ciumento. “Eu acredito que Doum representa nossa capacidade de inventar a vida e se integrar à Cosme e Damião”, afirma Simas.
“No fim das contas, Doum pode ser qualquer um de nós. Aquele menino que está entre Cosme e Damião pode ser o meu filho, pode ser você, pode ser eu”, conta o professor.

“No dia da festa dele, Cosme quer Caruru…”
No dia 27 de setembro, além da distribuição de doces, outra tradição é o famoso Caruru. Essa comida é oferecida como forma de agradecimento e para fazer novos pedidos. Valquir Reis, pai de santo de Umbanda, explica que os principais ingredientes para o preparo do prato são o quiabo, camarão seco e azeite de dendê. A planta principal, o próprio Caruru, é encontrada na natureza de duas formas: Caruru-roxo e Caruru-branco.
O líder espiritual explica que o Caruru não é uma obrigação anual na Umbanda e é feito principalmente a pedido dos Erês. “Há dois anos, Doum pediu para que o fizéssemos. Ele abençoou e distribuiu entre os convidados, dizendo que era para ajudar na saúde de quem o comesse”, conta. Valquir explica que a erva é encontrada à beira dos rios e os ingredientes não variam em relação ao Caruru do Candomblé. Paulo Vaz, Babalorixá de Umbanda, menciona que existem mistérios da religião envolvidos no preparo do prato que não podem ser revelados. “A baba do quiabo é o fundamento do Caruru, se não tiver, não é caruru”, diz Paulo.

Distribuição de doces no Rio de Janeiro
Luiz Antônio Simas conta que o avanço pentecostal repercute no Rio de Janeiro em vários aspectos e está relacionado, por exemplo, ao declínio da Festa da Penha, que já foi a festa religiosa mais popular da cidade. Portanto, é evidente que impacta os festejos de São Cosme e São Damião. “Certas orientações pentecostais não permitem que crianças de famílias evangélicas peguem doces, uma situação lamentável”, diz ele. No entanto, o professor acredita que existe uma cultura de resistência nesse sentido e que cresceu ao longo dos anos. “É uma festa que eu acompanho há anos, e percebo que, de certa maneira, está revigorada. Aqui, na Zona Norte, sinto que cresceu”, completa.
Simas acredita que os subúrbios cariocas, apesar de terem sofrido os impactos de uma urbanização desenfreada, ainda mantêm uma instância coletiva de vida que se perdeu em outras áreas. Isso é especialmente notável em lugares como a Barra da Tijuca e a Zona Sul, que foram projetadas principalmente para a lógica do automóvel, e não para a lógica de gente na rua, explica. “Costumo dizer que a cultura suburbana é o oposto do que chamo de cultura de condomínio, que impede o contato com o outro”, acrescenta ele. Luiz Antônio finaliza afirmando que, cada vez mais, a Zona Sul e Barra da Tijuca se isolam, enquanto os subúrbios ainda mantêm aspectos da cultura de rua.

Foto de capa: Reprodução/Fala Universidades
Reportagem de Jéssica Souza , com edição de texto de João Agner
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Linda matéria. Esses tesouros culturais precisam ser divulgados é amplamente levados ao conhecimento público desmistificando a ignorância e o racismo.
Deus é um só e não importa o caminho utilizado na fé individual. Axé!!!