No último mês de julho (2019), o presidente Jair Bolsonaro fez declarações contra a ANCINE, em que pregava pelo fim da agência. Após receber diversas críticas, Bolsonaro recuou, mas promoveu mudanças dentro da instituição. O presidente reduziu de seis para três a participação de representantes da indústria cinematográfica no Conselho Superior do Cinema, órgão responsável por elaborar a política nacional para o setor. A participação da sociedade civil no colegiado também foi diminuída: de três para dois.
Dessa forma, o governo passou a ser maioria na composição do conselho, sendo composto por: sete ministros e cinco integrantes da sociedade civil e do setor audiovisual. As mudanças, feitas por decreto, incluíram a transferência do conselho do Ministério da Cidadania, que engloba a antiga pasta da Cultura, para a Casa Civil da Presidência da República, comandada pelo ministro Onyx Lorenzoni.

Após o recuo inicial, o presidente voltou a defender a extinção da agência e disse que só não a fechava devido aos cargos serem eletivos e cumprirem mandatos. O fechamento da agência parece ser um objetivo que o presidente está disposto a cumprir. No entanto, a Ancine possui um importante papel para o cinema nacional e seu fim impactaria diretamente no mercado audiovisual brasileiro.
Ancine: função e objetivo
Criada em 2001, a Ancine (Agência Nacional do Cinema) é uma agência responsável pelo fomento, regulação e fiscalização do mercado cinematográfico e audiovisual do Brasil, sendo uma autarquia especial. A agência tem como objetivo o desenvolvimento do setor em prol da sociedade brasileira.
A Ancine também busca aprimorar seus meios regulatórios, atuando em diversos pontos da cadeia produtiva do ramo e incentivando o investimento privado, para que mais produções audiovisuais e independentes sejam vistas por um número cada vez maior de pessoas. Entre as ferramentas para captação de recursos estão a Lei do Audiovisual e o Fundo Setorial do Audiovisual (FSA).
Lei do Audiovisual

A Lei do Audiovisual (8.685/93) é um mecanismo de apoio indireto a projetos audiovisuais. Pode-se dizer, que é um “apoio indireto”, pois se dá através de incentivo fiscal. Sendo assim, permite que contribuintes (pessoas físicas ou jurídicas) tenham uma redução ou sejam isentos de impostos, se direcionarem recursos a projetos audiovisuais aprovados pela Ancine. Para pessoas jurídicas, a redução é de até 4% e, para físicas, de até 6%.
Em troca, os patrocinadores ganham o benefício de associar sua imagem ao produto audiovisual resultante do projeto fomentado. A lei se diferencia do “fomento direto”, que a Ancine apoia por meio de editais e seleções públicas.
Para fazer uso da Lei do Audiovisual, uma produtora independente cadastrada com a Ancine submete um projeto para a avaliação da agência. Caso seja aprovado, a produtora tem a permissão de procurar empresas interessadas em apoiar financeiramente a produção.
As produções que podem ser contempladas pela lei incluem: projetos cinematográficos independentes de curta, média e longa duração, telefilmes, minisséries e programas culturais e educativos para a TV.
Fundo Setorial do Audiovisual (FSA)

O FSA é a principal ferramenta de investimento público no audiovisual brasileiro e suas reservas giram em torno de R$ 1 bilhão ao ano. Os investimentos provenientes do fundo tem como finalidade ajudar a transformar o setor.
O fundo foi criado a partir da Lei n° 11.437 como uma categoria de investimento dentro do Fundo Nacional da Cultura (FNC). A principal fonte de receita do fundo é o imposto chamado de Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Audiovisual Nacional – CONDECINE. As redes de televisão são as principais pagadoras desse imposto.
Para fazer com que o dinheiro chegue aos produtores, o FSA conta com editais que definem as áreas para as quais os recursos serão destinados. Os editais são formados por: produção de cinema, produção para TV, comercialização, desenvolvimento, suporte automático e arranjos regionais. Os programas que fazem parte de cada edital recebem o nome de ‘Chamadas Públicas’. A distribuição dos recursos do FSA é organizado pelo Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul (BRDE), realizando todos os contratos e repasses.
Embora o FSA seja público, ele segue uma lógica de mercado. O fundo participa das receitas financeiras de todos os projetos que incentiva. Se o projeto não gera retorno comercial, ele não exige o retorno do investimento, mas, se ele for comercializado, o FSA vai ter parte das receitas até que o valor dessa participação seja igual ou maior ao que o fundo investiu. Quando o projeto atinge essa quantia, o FSA ganha parte dos lucros seguintes com uma taxa menor.
Ancine e sua importância para o cinema nacional
O Brasil é um país que, até a década de 1990, já havia se consolidado como um importante produtor de conteúdo audiovisual. Nos anos 90, a qualidade das histórias brasileiras já havia atraído o olhar do mundo com filmes como Central do Brasil, que recebeu duas indicações ao Oscar nas categorias de melhor Filme Estrangeiro e Melhor Atriz. Porém, não havia ainda um órgão público de fomento às produções. A criação da Ancine fortaleceu o cinema nacional e permitiu que outras premiadas produções brasileiras como Cidade de Deus, Tropa de Elite e o mais recente, Bacurau, chegassem às telas de todo o país.

Além das premiações, o setor cinematográfico brasileiro também aquece a economia. “A indústria do cinema movimenta 25 bilhões de reais ao ano, uma quantia equivalente a 0,46% do PIB brasileiro, seja em produções ou em bilheterias. Isso sem pegar o impacto periférico da área, como estacionamento, praça de alimentação e etc”, afirma o produtor audiovisual, Yuri March.
A produção audiovisual deve ser vista como uma máquina que emprega e que faz a economia girar a partir de uma setor que cresce cada vez mais, embora esteja diante de uma recessão econômica, como foi em 2008.
Se a Ancine acabasse, qual seria o impacto para o mercado audiovisual brasileiro?
Gustavo Lacerda, professor responsável pelas principais disciplinas audiovisuais do curso de jornalismo da Veiga de Almeida, fala sobre as possíveis consequências que a extinção da agência pode causar ao mercado nacional.
“Acredito que um dos primeiros impactos seria na suspensão do FSA, que é um dinheiro que retroalimenta o setor, permitindo uma quebra no monopólio da produção audiovisual e uma maior gestão da produção regional, em todos os níveis (de municipal a federal). Isso reduziria a produção audiovisual nacional e consequentemente uma maior valorização destes produtos nacionais – e aí voltaríamos a uma era blockbuster, além de perdermos receita na cifra dos bilhões de reais”, disse o professor.
Gustavo ainda destaca que o cinema brasileiro possui o papel de dar voz às histórias de todo o país e que um baque como esse representaria um grande retrocesso. “É importante que se olhe para a produção nacional em termos de diversidade de histórias sobre o Brasil, ou a partir do Brasil, e a forma como o lazer pode ser lucrativo para o país. Perderíamos (os produtores audiovisuais) a garantia de direitos conquistados ao longo de quase duas décadas e o controle da gestão deste setor, que é um dos que mais resiste a crises econômicas”, completou.
Breno Silva – 7° período
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