Sociedade

Hashtag que repercutiu no Twitter incentiva estudantes a debater assédio escolar

Após a repercussão das denúncias de assédio recentemente divulgadas no Twitter por alunas de uma rede de ensino particular, meninas e professoras de outras escolas tomaram coragem para falar dos casos nas instituições que frequentam. A hashtag #AssédioÉHábitoNoPensi, que ficou em primeiro lugar dos assuntos mais falados da rede social em 17 de agosto desse ano, levantou o debate sobre a questão entre estudantes dos Ensinos Fundamental e Médio.

Além do Pensi, outros colégios foram citados como Elite, Miguel Couto, De A a Z e MV1. Houve protestos dentro das escolas na semana seguinte aos relatos na internet e foram convocados atos nas ruas, em que as reivindicações foram feitas por meio de cartazes, poemas e músicas. Alunas também reclamaram de casos na rede pública como Pedro II e algumas escolas municipais, além de uma empresa de formatura.

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Alunas de diferentes escolas se uniram em um ato contra o assédio escolar no dia 30 de agosto Foto: Leticia Heffer / Agência UVA

De 2014 a 2017, quando trabalhou na Unidade Bangu do Colégio e Curso Miguel Couto, a professora de Sociologia, Gisele Rose da Silva, de 39 anos, presenciou e sofreu assédio sexual dentro da instituição. “Nesses quatro anos, um professor de química, que assediou meninas passando a mão na bunda e nos seios, fez exatamente a mesma coisa comigo”, contou Gisele em entrevista à Agência UVA. Ela afirma que essa era uma prática recorrente de alguns professores e inspetores e que apesar do conhecimento geral e das denúncias feitas à coordenação e à direção da escola, nada foi feito a respeito.

O silêncio não é uma opção

Depois da subida da hashtag, diversas alunas entraram em contato com ela para desabafar sobre os casos que sofreram. As reclamações são constantes e repetitivas. Ela conta ainda que o tema “assédio” não era um assunto muito discutido em sala de aula. “A apostila do colégio abordava o assunto, mas era somente uma aula sobre a temática”, revela.

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A estudante Dayana Andrade foi a um dos atos convocados. Ela é aluna do segundo ano do Colégio Superior Foto: Leticia Heffer / Agência UVA

Maria (nome fictício usado para manter o anonimato da vítima) foi aluna da professora Gisele. Ela relata já ter passado por situações constrangedoras com outro professor da rede. “Ele sempre chamava meninas quando queria dar algum exemplo, principalmente as mais baixinhas como eu. Por ele ser alto, ria e fazia piadas de conotação sexual como por exemplo: ‘Já pensou se isso acontecesse aqui? Ia te quebrar’. Se não fizesse aquilo com a intenção de constranger as alunas, teria chamado os meninos também, não é?”, desabafa. Na época, apesar de levar na brincadeira, já era algo que a incomodava. Hoje, tendo mais conhecimento sobre o assunto, vê a situação como algo problemático.

Na mesma escola, Amanda Arigony, de 20 anos, vivenciou em seus anos de estudante situações de assédio moral e sexual em mais de uma ocasião. Amigas dela passaram pelo mesmo e as reclamações eram constantes, tanto no Ensino Médio, como no Fundamental. Os agressores geralmente eram os professores de Química, Física e o próprio coordenador da unidade. Segundo ela, na época, as denúncias eram respondidas apenas com pedidos de desculpas. No dia seguinte, os acusados seguiam em seus cargos normalmente, devido à alegação de que não poderiam ser demitidos por serem sócios do colégio. “Não houve nenhum apoio da instituição. Não havia debates sobre o assunto na escola e a mesma sempre tentava ocultar os casos”, conta Amanda.

Depois do boom da hashtag no Twitter, por conta da pressão não só das denúncias, mas dos protestos dentro da escola, a instituição decidiu desligar os responsáveis. “O Miguel Couto demitiu muitos professores. A unidade de Nova Iguaçu, por exemplo, está praticamente montando uma nova equipe”, conta a professora Gisele. Educadores do Pensi afirmam que alguns colegas de trabalho também já foram afastados da empresa. A Agência UVA entrou em contato com a rede de ensino Pensi pelo “Fale Conosco”, a fim de obter uma resposta da assessoria, mas não obteve retorno.

A Agência UVA falou também com o Colégio Miguel Couto, que emitiu a seguinte nota:

“O Colégio Miguel Couto repudia qualquer tipo de assédio e discriminação e comunica que, em todas as unidades, responsáveis e alunos estão sendo recebidos para exporem seus relatos a fim de que se possam verificar as ocorrências e tomar eventuais providências.”

No dia 30 de Agosto, alunas, ex-alunas e professoras de instituições privadas e públicas de Ensino Fundamental e Médio fizeram atos contra o assédio moral e sexual na Praça Saens Peña, Tijuca e na Cinelândia, Centro do Rio

A grande quantidade de denúncias na internet fez as meninas resolverem sair do virtual e irem às ruas falar sobre assédio. Mulheres adultas, como mães e professoras, se juntaram às alunas e decidiram também compartilhar suas experiências. No ato, as jovens gritaram dizeres como “Não acabou. Tem que acabar. Eu quero o fim do assédio escolar” e “Segura seu machista. A América Latina vai ser toda feminista”.

Uma das representantes da Associação dos Estudantes Secundaristas do Estado do Rio de Janeiro (AERJ) estava presente na manifestação e garantiu que o órgão entende que o assunto deve ser constantemente debatido não só nas escolas, mas também nas faculdades e nas ruas. Em nota no site oficial, a associação reafirmou a importância da união em torno dessa pauta e que é preciso mobilizar estudantes e pais na luta para que toda a sociedade seja um ambiente acolhedor para mulheres. Leia a nota completa.

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A Praça Saens Peña, na Tijuca, recebeu dezenas de jovens para a manifestação contra o assédio Foto: Leticia Heffer / Agência UVA

Desabafar ao microfone foi algo constante durante a manifestação realizada no fim do mês de agosto. Carol (nome fictício) estudou a maior parte da vida na rede municipal, onde sofreu abusos. Quando tentou denunciar um de seus abusadores para a direção da escola, teve a seguinte resposta: “Tem sorte que temos professores. Não podemos demitir quem já está aqui”, conta. 

No caso de Ana (nome fictício), a agressão não aconteceu dentro do ambiente escolar, nem partiu de um funcionário da mesma, mas de um empregado da empresa responsável pela formatura da turma dela. A instituição é conhecida por conceder bebida alcoólica para menores de idade em churrascos e festas que promove. Em uma delas, Ana ficou desacordada pelo excesso de bebida e foi estuprada. A denúncia já deu origem a um processo, no qual ela pede ajuda, caso alguém tenha passado por algo semelhante envolvendo a mesma empresa. Quando falava sobre o tema durante o ato público, ela se emocionou.

Leia mais: Saiba como identificar o assédio sexual no ambiente de trabalho e o que fazer

Ainda desconhecida na sociedade, a reparação jurídica de casos de assédio ocorridos dentro do ambiente escolar é possível

Confira a entrevista realizada com o advogado trabalhista Mauro Moreira de Sousa

Agência UVA – O caso de assédio no ambiente escolar funciona como no ambiente de trabalho? Em relação à empresa e ao cliente contratando os serviços?

Mauro: Sim, de certa forma. No ambiente de trabalho geralmente há um superior hierárquico que está associando isso à promoção ou à manutenção do emprego. Na escola também, mas podendo estar ligado a boas notas e melhor rendimento da criança ou do adolescente. Geralmente, ocorre com jovens de 12 à 17 anos. Em relação ao serviço, se eu o contrato e sofro o assédio sexual, se for um funcionário de empresa terceirizada, ele é afastado de imediato por justa causa. No caso de um adulto com uma criança é crime. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) é muito claro quanto a isso.

Agência UVA – Como se aplicam as leis nessa situação? Tanto a vítima sendo menor de idade quanto maior?

Mauro: Quando é menor de idade é muito mais grave, porque tanto a Constituição como o ECA são extremamente duros com isso. Dependendo do tipo de assédio, ele é considerado como estupro, que é você tocar, agarrar, tentar algo de maneira que não precisa da conjunção carnal, necessariamente. Sendo menor de idade, o caso é tratado pelo Código Penal, com base no ECA. Já com a criança, é estupro de vulnerável.

Agência UVA – Se os pais ou a própria vítima decidirem denunciar algum dos tipos de assédio, moral e/ou sexual, quais são as medidas para provar o ocorrido?

Mauro: Primeiro, informar à direção ou à coordenação, em seguida fazer um Boletim de Ocorrência, na Polícia, para que possa ser aberto um inquérito e ser apurado. Às vezes, isso é um crime subjetivo, que não tem cunho material, ou seja, não tem qualquer prova, mas geralmente o assédio é algo contínuo, não é uma vez só. A pessoa tem a opção de gravar a situação, além do que, em determinadas escolas, existem câmeras que também podem mostrar. Não se pode deixar que a direção, a coordenação, os pais e a Delegacia de Polícia não estejam cientes disso, porque só denunciando é que se pode fazer algo.

Agência UVA – Se as denúncias não forem levadas em consideração pela instituição, de que maneira a vítima (ou a família, em caso de menores de idade) pode prosseguir legalmente?

Mauro: O Estatuto da Criança e do Adolescente vem em primeiro lugar quando menor, podendo ser acionado e instaurado um inquérito, que tem uma brevidade, uma celeridade muito maior. A denúncia, normalmente, nesses casos é fartamente investigada. Caso a escola não tome nenhuma providência, será chamada e investigada para saber o porquê de a instituição não proteger o aluno, já que é o dever da mesma. Isso também vai punir os coordenadores, diretores ou superiores da escola por não terem feito nada. A omissão também é crime. É possível ir em uma delegacia especializada da criança e do adolescente, onde um profissional de segurança pública, que tem total conhecimento sobre esses casos, saberá o que fazer. A partir disso, contratar um advogado e seguir o processo normal, pedindo dano moral, material e o que mais for necessário.

Para mais informações é possível pedir ajuda nos seguintes canais:


Andressa Gabrielle – 8º Período e Leticia Heffer – 7º Período

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