Comportamento Sociedade

Movimento pró cabelo natural age contra o preconceito no Brasil

O Brasil é um país miscigenado e, apesar de 52% da população ser negra, segue um padrão euro centralizado. Um país rico em diversidade, porém onde as mulheres de cabelos cacheados e crespos ainda sofrem preconceito. O cabelo geralmente é ligado à beleza, como um ornamento para o rosto, mas também pode ser usado como forma de expressão e resistência.

O movimento pró cabelo natural é uma ação de redenção que busca formular outro olhar sobre a negritude, para que meninas parem de se deixar influenciar pelo o que veem na mídia: uma maioria esmagadora de garotas brancas e de cabelo liso. A partir daí, começa uma luta contra o que é colocado como belo, perceber que o cabelo afro tem volume e coroa o rosto.

Mas a sociedade cobra por meio de perguntas como “por que você não faz uma chapinha? Por que não alisa o seu cabelo?”. Julgam o que é belo ou não e reforçam preconceitos, como afirmar ser mais difícil conseguir um emprego tendo o cabelo afro. A socióloga Islene Motta sente na pele essa realidade: “Eu admiro muito as meninas que começaram esse movimento e sou adepta, porque até dentro da família isso acontece. Não tenho a necessidade de ter o meu cabelo balançando ao vento. Gosto de ter o meu rosto coroado pelo meu cabelo”.

Milena Weiner

O racismo no Brasil acontece de forma velada e a principal barreira a ser vencida é a da invisibilidade. Existe um processo histórico de que o valor vem de fora e o padrão de sociedade também. São mais de 500 anos de história a serem “desconstruídos”. “Eu acredito na força do movimento social, no empenho de alguns educadores, que cada brasileiro e brasileira negro que tiver noção da importância da sua cor na construção deste país possa se tornar mais um soldado nessa guerra invisível,” diz a socióloga.

É o caso de Milena Wainer, “cacheada” que se entregou aos tratamentos capilares. “Eu tinha os cabelos naturais até 13 anos, mas eu era bem ‘zoada’ e não me sentia aceita pelos meus amigos”. Com o tempo, ela achou que a química poderia ajudar. E decidiu fazer escova progressiva, relaxamento e vários processos que, depois de um tempo, foram enfraquecendo o seu cabelo. Milena lembra também que já sofreu preconceito de um professor:

​”Ele passou um trabalho de fotografia, em que o tema era sobre cabelos, e eu resolvi mostrar um cacheado e natural. Ele falou que o que eu levei não era um padrão da sociedade. Perguntei o que significava para ele “padrão da sociedade”, então ele me disse: ‘O que você acha? Um cabelo liso’.”

Para a socióloga Betânia Cassia, alguns setores da sociedade já aceitam e as tratam como iguais, porém afirma: “Infelizmente, a estrutura da sociedade brasileira é patriarcal e com mão de obra escrava, então muitas pessoas veem o negro e a mulher como inferior ao homem. Ainda tem muito caminho a ser percorrido”. Ela explica que hoje, com toda resistência e empoderamento, elas se apoderam da identidade de negras e mulheres, mas mesmo fazendo parte de mais de 50% da população, muitas vezes ainda são marginalizadas.

As meninas que usam cachos têm uma identidade. Elas se reconhecem e se identificam como negras. “Elas se apoderam disso e usam seus cabelos naturais”. Para Betânia, a mídia tem ajudado nessa aceitação: “Há algumas décadas, tinham alguns grupos como Jackson 5, Djavan, que usavam as trancinha e cabelos crespos. Naquele contexto, muita gente começou a usar. Hoje os cachos estão com força total. E eu adoro!”.

Para Milena, a mídia tem ajudado bastante, apostando em modelos negras e de cabelos cacheados ou crespos, além das marcas que têm investido em produtos específicos para seus tipos de cabelo. Ela afirma que essa influência ajuda principalmente no período de mudança: “Antigamente era muito precário. Agora isso favorece na transição capilar. Na minha época foi difícil, já que não tinha tantos recursos como existe hoje. Isso é muito bom para essa fase que é complicada e exige muita paciência. Mas com calma tudo se encaixa!”.

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Milena exibe seus cachos com orgulho

Jeniffer Lucas também foi adepta dos processos químicos por alguns anos, por conta do “bullying” que sofreu. “Teve uma vez que cheguei na escola e tinha uma boneca com cabelo igual a de uma vassoura desenhado no quadro. Eu ficava triste, mas segui em frente”.

Jeniffer confessa que foi muito difícil o período de transição, nome dado à fase de mudança entre a química e a volta dos cabelos naturais: “Meu cabelo tinha duas texturas, e as pessoas nas ruas me olhavam como monstro. Mas eu sempre fui focada em tudo que eu queria e consegui! Agora está sendo maravilhoso. As pessoas elogiam,  gostam mais do que desgostam”, conta satisfeita com o resultado volumoso que ela desejava ter de novo.

Milena conta que passou a se aceitar quando teve queda de cabelo e precisou fazer transição capilar. “Tive que cortar meu cabelo bem curto para crescer de novo. Foi quando eu vi que não precisava de química no meu cabelo e comecei a me aceitar. Tenho que me aceitar da maneira que eu sou”.

Milena hoje tem um blog que surgiu por conta de um trabalho de faculdade, chamado de “Mundo Cachos”, voltado para beleza afro. “Eu percebi que foi crescendo e fui dando continuidade. O que me motiva a continuar é saber que estou ajudando outras meninas que estão passando pela transição a se aceitarem do jeito que são”. Graças ao blog, ela recebeu um convite para participar de uma campanha de produto de cabelo que trata do empoderamento das mulheres.

Sobre as cacheadas e crespas, Milena fala com entusiasmo: “A tendência é aumentar. As meninas se cansaram de serem reféns de chapinha e secador. Hoje existem tantas dicas para cuidar do cabelo e a desmistificação de que a escova progressiva faz bem aos fios e que a química já não é necessária”.

“Algumas empresas já perceberam que é necessário apostar nesses produtos e campanhas voltadas a essas mulheres”, afirma a socióloga. Ela conta que onde leciona, em uma escola pública, quase não há menina de cabelo liso; a maioria é crespa ou cacheada. E elas têm dificuldade em achar maquiagem para seu tom de pele ou creme de cabelo específico.

“Deixo uma mensagem para as meninas. Queria dizer que vocês são lindas!”, diz Jeniffer, que hoje em dia se pergunta: “Como fiz uso de química? Eu gosto de volume, eu gosto de destaque. Meninas, vocês precisam se sentir bem, ser como vocês são: com cabelo alisado ou natural, precisam se aceitar!”

Fernanda Ferreira, Gisele Duarte e Liane Daher – alunas da disciplina Jornalismo Digital

 

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